Cássio Ribeiro
A
revista Paris Match publicou uma sessão de fotos com imagens da prática do
Candomblé no Brasil, produzida pelo francês Henri-Georges Clauzot.
Naquele dia
12 de maio de 1951, a revista francesa estampou em sua edição, além das fotos,
a classificação, dada pelo autor, de que as incorporações do culto afrodescendente
brasileiro eram uma manifestação de doença mental.
A resposta veio dada pela primeira revista brasileira semanal
publicada com capa colorida, e que reinou soberana como a revista semanal mais
lida no País por décadas.
A revista O Cruzeiro, em 15 de setembro daquele ano, publicou a fotorreportagem
“AS NOIVAS DOS DEUSES SANGUINÁREOS”; tratava-se de 38 fotos com o tema da
iniciação de três filhas de santo.
O
trabalho tornou-se uma referência da expressão do Candomblé no Brasil como
expressão cultural religiosa de um povo, os negros africanos, que tanto influenciou na formação e nos
costumes de nossa sociedade.
A trajetória
de O Cruzeiro no jornalismo brasileiro sempre foi marcada por inovações e por
uma formalística com uma valorização artística da fotografia nos veículos impressos.
Em meio a toda essa prática inovadora, não havia preconceito ou censuras com a
escolha dos temas. Tratou-se de uma
quebra dos paradigmas dos moldes conservadores vigentes na imprensa brasileira
até o surgimento da revista O Cruzeiro.
Não importava o tema, os
fotógrafos de O Cruzeiro sempre buscavam mostrar uma plasticidade da realidade
voltada para uma prática da informação e da arte ao mesmo tempo, por meio da
expressão das fotografias.
Guerra da Coreia, em 1951, por Luciano Garcia
O Cruzeiro nasceu para ser uma
publicação semanal de variedades, e foi fundada em 1928 pelo mesmo pioneiro, Assis
Chateubriand (o Chatô), que trouxe a transmissão de TV, em 1950, para o Brasil.
Para
valorizar a expressão da fotografia na revista, Chatô não mediu esforços para
contratar o grande fotógrafo Francês Jean Manzon.
Na ocasião, diante da recusa
inicial do francês, Chateaubriand disse que não estava perguntando se Manzon
queria trabalhar em O Cruzeiro ou não, mas quanto o fotógrafo queria para ser
contratado pela revista.
Não
teve jeito. Jean Manzon foi contratado em 1943 e revolucionou ainda mais a inovadora e
pioneira revista brasileira. Foi ele, com sua vasta
experiência adquirida por ter atuado na revista francesa Paris Match, o organizador da formação de uma equipe de
fotógrafos considerados os precursores do fotojornalismo moderno brasileiro.
Manzon chegou no Brasil em 1940, fugindo da Segunda Guerra Mundial
na Europa, e passou a atuar como diretor do setor de fotografia do Departamento
de Imprensa e Propaganda (DIP), que era o órgão de censura e promotor do Estado
Novo de Getúlio Vargas por meio da produção de fotos e vídeos. Jean ficou
responsável pela divulgação da imagem do Brasil de Vargas aqui e no exterior, até que se transferiu para O Cruzeiro, em 1943.
Manzon,
como tinha carta branca em O Cruzeiro e ganhou a incumbência de produzir a capa
e mais 10 páginas da revista, propôs a contratação do jornalista, e grande
produtor de textos, David Nasser, que saiu do jornal O Globo para a revista O
Cruzeiro, em 1944.
Formou-se assim, aos moldes das revistas dos EUA e da Europa,
uma dupla na qual um era responsável pelas fotos e o outro pelos textos.
Nascia
assim uma marca de O Cruzeiro, que foram as grandes reportagens produzidas pela
dupla Jean Manzon e David Nasser.
A
dupla marcou o jornalismo do Brasil e a Revista o Cruzeiro. Um slogan famoso
tornou-se marca da Revista durante 15 anos: “Texto de David Nasser, fotos de
Jean Manzon”.
A
primeira das várias reportagens polêmicas e históricas produzidas pela dupla já
foi uma das mais marcantes. “Enfrentando os Chavantes” (Com CH mesmo) foi
publicada em 18 páginas com fotos inéditas de índios selvagens com flechas em posição de ataque para um avião em pleno vôo
com a dupla Nasser e Manzon abordo.
Legenda original de O Cruzeiro: “Fica a 800 quilômetros o ponto mais próximo
onde o branco pisou. E de arcos para os céus os xavantes pretendem conservar à
distância a gigantesca ave que projeta sôbre êles uma sombra que consideram
fatídica."
A
edição, publicada em junho de 1944, esgotou nas bancas em algumas horas, e a
reportagem foi considerada a descoberta dos índios brasileiros.
Legenda original de O Cruzeiro: "Mas a ave se aproxima. E fixa bem o
perfil das malocas, descobre a sua estranha maneira de guardar os alimentos ao
ar livre, sôbre armações de madeira e de fôlhas."
Depois
da primeira reportagem polêmica, que foi de grande sucesso no Brasil e no exterior,
Manzon e Nasser voltaram ao tema dos índios.
Frequentes visitas aos Kamaiurá,
aos Kalapalo e aos Xavantes ocorreram em companhia dos irmãos Vilas Boas, tudo documentado
em forma de reportagens para O Cruzeiro.
Os trabalhos deram ao público a possibilidade de testemunhar
e participar como observadores, mesmo de longe, da “pacificação” de índios
brasileiros ainda originalmente selvagens.
As
matérias seguintes, em companhia dos irmãos Vilas Boas, de certa forma
endossaram publicamente um subjugo dos índios e os apresentou como seres gentis
e calmos, ...
aceitando a “superioridade”
da cultura ocidental e sendo “Integrados” em nossa moderna sociedade
capitalista.
Legenda
Original de O Cruzeiro: “E a expedição, comandada pelos irmãos Vilas Boas, procura
integrar os antigos donos da terra na comunhão nacional. E com os índios à
volta, hasteia-se pela primeira vez, nessa região, a bandeira da pátria.”
A
revista O Cruzeiro deu ao fotojornalismo um canal de expressão dos fatos
culturais e sociais brasileiros nunca antes observados.
As informações sobre o
Brasil nesse sentido, antes de O Cruzeiro, eram apenas conhecidas de ouvido
pelas histórias contadas através do rádio. Era um mundo ainda sem TV e Internet.
A
melhor fase de O Cruzeiro foi entre 1944 e 1960, época em que a revista chegou
a ter 20 fotógrafos cobrindo os a cena do poder, das guerras pelo mundo, as
copas do Mundo e o nascimento da nova capital Brasília.
Outros
grandes fotógrafos que atuaram em O cruzeiro foram José Medeiros, Luciano
Carneiro, Flávio Damm, Pierre Verger,
Marcel Gautherot, Henri Ballot,
Indalécio Wanderley, Peter Scheier e até o cineasta Luiz Carlos Barreto.
O sucesso de O Cruzeiro nas bancas do Brasil foi
mais aumentado ainda mais por um convênio com os estúdios de cinema dos Estados Unidos,
que rendia à revista a possibilidade de publicar fotos das estrelas de Hollywood.
O auge de vendas nas bancas foi em 1955, com a
marca de 630 mil revistas vendidas toda semana. Com a população brasileira de
então, a tiragem de O Cruzeiro era maior em média do que a da revista semanal
brasileira de maior circulação atualmente, a Veja.
Assim nasciam...
as capas de O Cruzeiro, como essa da miss Brasil, modelo e atriz Vera Fischer
a ousada, para a época, capa com Leila Diniz, em 1968, ...
que três anos mais tarde, em 1971, foi a primeira mulher a ousar ir à praia de biquíni, em Ipanema, aos 8 meses de gravidez
O
Cruzeiro foi um fenômeno de inovação, ousadia e implantação de novas regras
para a prática do jornalismo impresso do Brasil.
Era a única revista que trazia
na informação, por meio de expressão visual, as versões da realidade de um mundo
em transformação depois da Segunda Guerra Mundial e em plena Guerra Fria entre o os
blocos mundiais socialista e capitalista.
Capa de O Cruzeiro com Hebe, em 1963
O
livro As “Origens do Fotojornalismo no
Brasil: Um Olhar Sobre O Cruzeiro”, com 335 páginas e preço médio de 140 reais,
foi lançado pelo Instituto Moreira Sales (IMS) e reúne, em capa dura e formato
de álbum, um grande acervo de imagens dos fotógrafos que documentaram a
realidade brasileira por meio de suas fotos para as reportagens de O Cruzeiro.
A
revista O Cruzeiro encerrou suas atividades em 1975, pois a crise dos Diários
Associados, grupo ao qual fazia parte, não permitiu a revista competir em
investimento com as novatas revistas Manchete e Fatos e Fotos, ambas da editora
Bloch, que traziam um novo formato em cores para as suas publicações. Ainda
assim, O Cruzeiro já estava para sempre marcada na história da comunicação Brasileira.
Algumas fotos célebres do francês Jean Manzon para O Cruzeiro:
Carmem Miranda: foi capa de O Cruzeiro diversas vezes, ...
o presidente Getúlio Vargas, na década de 1940, e...
Fidel Castro no Rio, em 1959
Parabéns, pela bela reportagem! Muito bom!
ResponderExcluir👏👏👏👏
Obrigado, Alves..
ExcluirQue barato! Abrindo o baú da nossa história recente. Jornalismo positivo! O mundo também se faz com notícias boas. Parabéns!
ResponderExcluirObrigado por mais um acesso e mais um comentário Fábio...
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