domingo, 4 de outubro de 2015

A HISTÓRIA DA NOBRE MARIA AUGUSTA E COMO NASCEM AS LENDAS URBANAS





Cássio Ribeiro

Os pesquisadores de lendas urbanas costumam definir que essa manifestação cultural popular sempre surge a partir de um fato real. Trata-se de uma história com particularidade e significado marcante que se torna algo com grande propagação boca a boca e, assim, começa a ganhar mais conteúdo por meio da intervenção popular em sua própria cultura.


Esse processo gera histórias ou "causos" curiosos. É difundida pelo Brasil a fora a lenda urbana que relata o aparecimento em banheiros de escolas da famosa “Loira do Banheiro”, que surge em aparições e abre as torneiras do banheiro. Em alguns locais conta-se que a tal loira teria sido assassinada em um banheiro.   Todas essas derivações populares em histórias que gravaram tal personagem no folclore brasileiro surgem a partir da curiosa história de uma personagem real. Seu nome é Maria Augusta de Oliveira e foi uma linda jovem filha do Visconde de Guaratinguetá (Visconde Franciscus de Assis D’A Oliveira Borges) e da Viscondessa Amélia Augusta Cazal. 


       

Maria Augusta nasceu em 1866 e teve uma infância rica. Os nobres (barões, viscondes etc) tinham um estilo de vida norteado culturalmente pelos hábitos franceses. Talheres de prata e taças de cristal eram importados da França. Nesse nobre contexto valeparaibano paulista do século 19, Maria Augusta recebeu educação de primeiríssima qualidade à época, tendo sido educada pelo Vigário Monte Carmelo.

 


Nos textos que lia, incluindo os da disciplina Filosofia, a jovem começou a ter uma nova visão de mundo particularmente sua. Ela gostava de festas, bailes e queria conhecer melhor o mundo.







 

 A palácio do Visconde de Guaratinguetá, onde Maria Augusta cresceu e foi educada




A beleza de Maria Augusta já aguçava, aos 13, 14 anos, pretendentes a desposá-la. Eram os ilustres visitantes que seu pai hospedava quando passavam pelo Vale do Paraíba, indo ou vindo da província de São Paulo.



No século 19, quando se pensava em casamento, pouco se levava em consideração o sentimento dos jovens e, principalmente, das jovens donzelas, que eram oferecidas como esposas em prol dos arranjos econômicos e políticos de seus pais. 

Parece que o “jeitinho brasileiro”, tão presente e enraizado em nossa cultura hoje, já vem presente na sociedade brasileira desde os tempos em que regia as relações familiares como forma de encaixe conveniente dos interesses econômicos e políticos daqueles tempos.



Todo esse jogo de interesses era regido basicamente pelo seguinte raciocínio: ou se tinha dinheiro e casava-se a filha com alguém de muito prestígio, ou tinha-se prestígio e entregava-se a mão da filha a alguém que tinha muito dinheiro; o jogo era esse, e não importava a diferença de idade dos cônjuges.



Foi nesse contexto social do século 19 que, em 1 de abril de 1879, o Visconde de Guaratinguetá, já consciente de estar vivendo os últimos anos de sua vida, entregou a mão de Maria Augusta, então com 14 anos, ao ilustre conselheiro Dr. Francisco Antônio Dutra Rodrigues, vinte e um anos mais velho do que a linda jovem.



Dutra Rodrigues fora vice-presidente da Província de São Paulo duas vezes, foi fundador da Academia de Direito de São Paulo e gozava de significativa posição social, econômica e política; um homem inteligentíssimo e rico.



Nenhum dote que tivesse o noivo foi capaz promover o sucesso do arranjado casamento. A vida conjugal da jovem moça de 14 anos não ia nada bem, e Maria Augusta acabou fugindo do marido em São Paulo para casa dos pais em Guaratinguetá, afim de pedir o apoio de sua mãe para separar-se do esposo.

A mãe, Viscondessa Amélia Cazal, não gostou da ideia e disse que não ia pegar bem para a família; a viscondessa dizia: “Isso é um absurdo! Onde já se viu isso?!  Volte para o seu marido!”.
Maria Augusta, sem o apoio da família para a separação que em si representava um escândalo social para a época, fugiu, primeiro para o Rio de Janeiro e logo depois para Paris.

Pouco se sabe sobre a vida da jovem nesse tempo parisiense, apenas que residia à rua Alfhones de Neuville e que frequentava os bailes da alta sociedade francesa da época, sendo a moça um charme de elegância e beleza jovial.

Como que mantendo as características do roteiro de uma vida historicamente marcante, Maria Augusta falece aos 25 anos, em 1891, de fortíssima febre que desidratou rapidamente o seu corpo. Diz-se que foi por causa de uma pneumonia; outra versão relata hidrofobia como sendo a causa do falecimento. O motivo certo da morte de Maria Augusta não é precisamente conhecido desde que houve o desaparecimento do primeiro livro de registros do Cemitério Nosso Senhor dos Passos, em Guaratinguetá.

Há relatos de que um espelho quebrou-se na casa dos pais da jovem em Guaratinguetá no momento em que Maria Augusta morreu na França. Para o traslado do corpo ao Brasil, as joias e pequenos objetos de valor da jovem saíram de Paris em navio dentro do corpo embalsamado, e que também teve todo um cuidadoso tamponamento feito com algodão, afim de se evitar algum possível vazamento durante a viagem pelo Oceano Atlântico. Conta-se que os pertences da jovem foram roubados do corpo durante a viagem, tendo somente o cadáver chegado ao Brasil.

A Viscondessa Amélia, arrependida e inconsolável por não ter ajudado a filha com o fim do casamento quando foi solicitada, mandou construir uma pequena capela para a moça no cemitério Nosso Senhor dos Passos, em Guaratinguetá, enquanto o corpo da jovem era trazido ao Brasil.





Quando o corpo de Maria Augusta chegou ao palácio dos pais, em Guaratinguetá, a mãe da jovem o colocou em uma urna de vidro e expôs a filha morta para visitação pública. Todas as noites, a viscondessa, à luz de velas, velava o corpo da filha. Esse ritual se repetiu por algumas semanas, enquanto ocorria o término da construção da pequena capela.

O corpo de Maria Augusta, embalsamado e na urna de vidro, não sofria decomposição com o passar do tempo. A jovem aparentava estar dormindo. Com isso, mesmo com a conclusão da capela no cemitério dos Passos, a mãe de Maria Augusta, ainda tomada por arrependimento, negava-se a sepultar o corpo da filha.

A viscondessa relatava sonhos com a filha pedindo para ser enterrada e afirmando que não era santa para ficar exposta em redoma de vidro. Esses sonhos, junto com a insistência da família, fizeram a Viscondessa Amélia ceder e permitir o sepultamento.

Um fato que chamava a atenção num primeiro momento naquela tarde de sexta, 2 de outubro, nos Passos, era um jarro com flores vermelhas virado, mas um olhar atento à volta...


logo revela que o vaso da capela de Maria Augusta e alguns outros vasos caídos sobre túmulos e no chão do cemitério provavelmente são o resultado de algumas caçadas noturnas e outras atividades naturais de alguns habitantes do lugar


A partir já de uma origem que mistura fatos reais e relatos pessoais, começam a surgirem as lendas que rondam o imaginário popular brasileiro. No palácio do Visconde de Guaratinguetá, onde viveu Maria Augusta e hoje funciona uma escola estadual do ensino médio do estado de São Paulo, os relatos são muitos: 

Notas de piano tocadas no anfiteatro trancado e sem ninguém, as torneiras sendo abertas no banheiro (em alusão à sede do espírito da jovem que deixou o plano físico vítima de desidratação causada por fortíssima febre), visões de sua silhueta andando pelos corredores do palácio ou percebida como vultos em janelas, o barulho do arrastar do tecido do vestido no chão que é ouvido ao mesmo tempo em que um aromático perfume francês toma conta do ambiente.
 




Também há relatos de que sua silhueta foi vista andando entre túmulos do cemitério dos Passos, onde fica a capela que foi oferecida a ela por sua mãe.


"Tema de teses, vídeos e reportagens para televisão, Maria Augusta é uma personalidade do Vale do Paraíba do passado e do presente. A lenda sempre parte de um fato verdadeiro... Ela chegou e ficou em casa como defunta, e daí, em torno disso, é que surgem as lendas das aparições e sobre a presença de Maria Augusta, e também o fato de sua história ser um motivo de estudos, principalmente agora (nos dias de hoje) que está se valorizando a vida além da morte", explica a historiadora Thereza Maia, de Guaratinguetá.

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