domingo, 30 de setembro de 2012

A INESQUECÍVEL RÁDIO RELÓGIO FEDERAL





Por Cássio Ribeiro


Nas décadas de 70, 80 e 90, quem ligasse o rádio na sintonia de AM 580 Khz, logo ouvia uma curiosa programação. 


Primeiro um toc toc toc, assim mesmo, um toc toc toc incessante dos segundos ao fundo, e uma transmissão mais ou menos assim: "Você sabia? O primeiro cronômetro marítimo foi construído no ano de 1715 pelo inglês John Harrison. A formiga pode levar 70 vezes o seu peso. A luz do sol demora aproximadamente 8 minutos e meio para chegar à Terra; o prezado ouvinte sabia? Toc toc toc, seis horas, cinqüenta e quatro minutos, zero segundo, pim pim pim toc toc toc." O pim pim pim era mais fino e entrava sempre depois que a hora certa era informada minuto a minuto, 24 horas por dia, pela voz da locutora Íris Lettieri.


Era a ZYJ 465 Rádio Relógio Federal, que marcou época na história do rádio brasileiro. Naqueles tempos, acertar o relógio era sinônimo de sintonizar a Rádio Relógio Federal. Muitas pessoas nem tinham relógio, pois bastava a pilha do rádio estar boa, que a hora era ouvida com um complemento de notas informativas culturais minuto a minuto, sem interrupção.


No meio da década de 80, muitas mães abriam a porta e a janela do quarto das crianças lá pelas 6, 7h da manhã:

— Você vai perder a hora da aula !

O sol matinal então invadia o ambiente e o rádio era ligado na Rádio Relógio. A rotina diária de muita gente começava assim: "Você sabia? O coração da baleia da Groelândia pode pesar até 5 toneladas. A palavra Maricá tem origem no Tupi, e significa capim de espinhos." E o toc toc dos segundos sempre ao fundo. "A pulga consegue pular a uma distância correspondente a 350 vezes o comprimento do seu corpo. É como se um ser humano pulasse a distância de um campo de futebol. Cada minuto que passa, um milagre que não se repete, toc toc toc, seis horas, cinqüenta e cinco minutos, zero segundo pim pim pim toc toc toc... Rádio Relógio Federal; cultura, noticias e a hora certa do Observatório Nacional, 24 horas no ar, minuto a minuto." 
E assim a programação "fluía". No lugar de ponteiros girando, ou números digitais se sucedendo, as vozes, o toc toc toc e o pim pim pim incessantes ecoavam nos 580 Khz do rádio.


Muita gente, principalmente as crianças, achava que a "pobre" locutora Íris Lettieri ficava 24h tendo que dizer a hora certa a cada minuto, e que só podia alimentar-se ou ir ao banheiro no intervalo entre cada minuto que informava. E os cochilos? como seriam? Se ela logo "tinha" que voltar correndo para dizer: "Seis horas, cinqüenta e seis minutos, zero segundo pim pim pim toc toc toc...."


Claro que as gravações das 24h reproduzidas minuto a minuto pela Rádio Relógio foram feitas aos poucos, em um antigo equipamento chamado Gerador de Hora Falada, fabricado pela firma alemã Assmann, em 1975.

 O gerador de hora falada que era usado na Rádio Relógio Federal


 Três momentos da voz da hora da Rádio Relógio; a jornalista, atriz, e locutora carioca Íris Lettieri. Primeiro como modelo, ...



 como capa da 1ª revista colorida brasileira, O Cruzeiro, de Assis Chateaubriand, ...





e atualmente na casa dos 70. A locutora tem sua bela voz reproduzida nos principais aeroportos do Brasil, orientando o horário e o local de embarque dos passageiros. Íris diz que criou uma entonação de tranquilidade para as locuções em aeroportos, a fim de transmitir calma aos passageiros que tem medo de voar. Por ter a voz com característica tão singular e marcante, a locução de Íris já foi tema de várias reportagens pelo mundo. Em 1992, a locutora teve, sem sua permissão, a gravação de sua voz usada pela banda Faith No More na música "Crack Hitler", do CD Angel Dust. Íris processou a Banda.


Abaixo, o leitor pode ouvir o trecho original de uma transmissão da Rádio Relógio Federal.



 http://www.youtube.com/watch?v=pp_k-xte1nI


Alguns comerciais da Rádio Relógio também marcaram época e ficaram famosos: "Material elétrico, alta e baixa tensão, atacado e varejo; R. Pinto, que canta de galo com preço de milho picado; General Caldwell, 173, pertinho da Central. Pneu carecou? HM trocou!


A Rádio Relógio Federal foi fundada em 1956. Passou a pertencer, desde 1966, à denominação evangélica Igreja Pentecostal de Nova Vida, do Bispo Roberto McCallister. À exceção dos domingos, quando transmitia os cultos da Igreja de Nova Vida das 7h da manhã às 23h, a programação diária da Rádio era:

Do minuto zero ao minuto 10: Cinema na relógio
Do minuto 10 ao minuto 15: Agenda relógio
Do minuto 15 ao minuto 20: Relógio Notícias
Do minuto 20 ao minuto 30: Falando de Esportes
Do minuto 30 ao minuto 35: Café Espiritual com o bispo Roberto McCallister

Do minuto 35 ao minuto 45: Movimento cultural da Relógio
Do minuto 45 ao minuto 50: Relógio Notícias
Do minuto 50 ao minuto 59: Você sabia?


No início da década de 1990, passando por dificuldades financeiras e com baixos índices de audiência, a Rádio Relógio foi vendida para a Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada e liderada pelo pastor missionário R.R. Soares. Chegava ao fim o estilo radiofônico tão singular da saudosa Radio Relógio Federal, que tanto marcou gerações e foi um dos grandes símbolos de uma época no rádio brasileiro.

domingo, 23 de setembro de 2012

AS DUAS IRLANDAS







Por Cássio Ribeiro



As Ilhas Britânicas são uma continuação física do continente Europeu. O bloco continental que forma a Europa fica com a superfície submersa na região do Canal da Mancha, que separa as Ilhas Britânicas do litoral da Europa, onde se localiza a França.


 
Imagem de satélite da Europa: no meio da imagem, à esquerda, observa-se o arquipélago britânico, ...



que é separado da Europa pelo Estreito de Dover. De Dover, na Inglaterra, até o cabo Gris-Vez, na região de Calais, que fica no norte da França, são 33 quilômetros de mar sob o qual passa o Eurotúnel. Os 33 km do Estreito de Dover são a menor distância entre as duas margens do Canal da Mancha. O nome do Canal é devido à mancha da platafroma continental da Europa, que mesmo sob as águas, pode ser observada claramente de cima.



O arquipélago britânico é formado por 6 mil ilhas. As duas maiores e mais importantes são a Grã-Bretanha e a Irlanda. A Grã-Bretanha é a maior, e possui 244 mil quilômetros quadrados. Já a Irlanda, bem menor, tem uma área de 84 mil quilômetros quadrados.


Os primeiros habitantes que originaram a população da Irlanda foram os Celtas, os mesmos que originaram a maioria da população da França. Já a Grã-Bretanha, é formada pela Inglaterra dos bretões, pelo País de Gales dos galeses, e pela Escócia dos escoceses.


A Irlanda foi cristianizada a partir do século 5, mas os irlandeses nunca formaram um reino único. Já em seu início, a Ilha foi dividida pelos irlandeses em quatro reinos fracos, o que culminou com a dominação da Irlanda pelos reis ingleses, a partir do ano de 1171.


Em 1534 na Inglaterra, a Reforma Anglicana tornou o protestantismo a religião oficial inglesa, também seguida no País de Gales e na Escócia. Na ilha da Irlanda, ao norte, alguns ingleses e galeses que lá viviam, passaram a seguir o anglicanismo protestante, porém, os irlandeses daquela região decidiram continuar católicos, a fim de que sua identidade cultural e nacional permanecessem preservadas apesar da dominação inglesa.


 As duas maiores ilhas do arquipélago britânico: Grã-Bretanha, a direita, que abrange os territórios da Inglaterra, do País de Gales e da Escócia, ao norte. A Irlanda, à esquerda em amarelo e roxo, é a segunda maior ilha do arquipélago



 Bandeira do País de Gales



 Bandeira da Inglaterra



 Bandeira da Escócia




A união entre as bandeiras da Inglaterra e da Escócia, mais a antiga bandeira da ilha da Irlanda, dominada inicialmente por inteiro pela Grã-Bretanha, originou a bandeira do Reino Unido



 Reino Unido




Para promover o fortalecimento de sua dominação na Irlanda, a Inglaterra cedeu para imigrantes escoceses e ingleses, terras que pertenciam a irlandeses. O ato era chamado de Plantation, e concentrava nas mãos dos colonizadores ingleses, extensos latifúndios cultiváveis. Essa política provocou a revolta inicial dos irlandeses contra a rainha inglesa Elisabeth I (1558-1603).

Em 1847 e 1848, a Irlanda foi devastada pela Grande Fome, que foi uma praga generalizada nas plantações de batatas, que eram o alimento básico da grande parcela da população de pobres irlandeses. Num total de 8,5 milhões de irlandeses católicos, 800 mil morreram de inanição na ocasião.

O governo inglês não tomou nenhuma providencia para tentar controlar a devastação causada pela fome. Milhões de irlandeses emigraram para os Estados Unidos. A população da Irlanda foi reduzida para 4 milhões de habitantes em 1900.

Os protestantes ingleses, em número de 750 apenas, eram donos de mais de 50% das terras cultiváveis irlandesas. Os católicos controlavam apenas 14% destas terras, por meio de pequenas propriedades.

As indústrias da Irlanda, concentradas ao norte, também eram controladas por ingleses, escoceses e galeses, que, em função da forte imigração operária, eram a maioria na região norte da irlanda. Em 1916, no domingo de Páscoa, ocorreu uma revolta irlandesa nacionalista, que foi dominada pelo exército inglês após sangrentos confrontos.

Em 1919, os parlamentares irlandeses eleitos nas eleições gerais do Reino Unido inglês não aceitaram fazer parte da Câmara dos Comuns, que incluía representantes da Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda. Os representantes da Irlanda decidiram formar um parlamento paralelo, chamado de Dáil Éireann, que expediu imediatamente a Declaração Unilateral de Independência da proclamada República Irlandesa, mas o ato não foi reconhecido internacionalmente.

As tropas britânicas e os voluntários da Irlanda do Norte entraram em ação. Foram dois anos de conflitos militares e ataques terroristas com bombas, na chamada Guerra Anglo-irlandesa, ou Guerra da Independência da Irlanda.


Em 1921, o governo do Reino Unido e líderes da Irlanda firmaram um acordo no tratado Anglo-Irlandês, que reconhecia o estado livre da Irlanda, correspondente a 85% do território da ilha irlandesa, e o Ulster, que representa 15% do território da Irlanda e, sendo também chamado de Irlanda do Norte, permaneceu controlado pelo Reino Unido da Grã-Bretanha, já que a maioria de sua população é formada por protestantes escoceses e ingleses, e uma minoria de irlandeses católicos.


 Após o tratado Anglo-Irlandês, em 1921, o domínio inglês permaneceu apenas sobre a Irlanda do Norte, ...

que ainda pertence ao Reino Unido


Bandeira da Irlanda do Norte




Após o reconhecimento, o estado da Irlanda foi integrado à Comunidade Britânica das Nações (Commonwealth), mas os irlandeses nunca tiveram um sentimento de união política e econômica com o Reino Unido. 

 Na Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), os outros membros da Commonwealth (Nova Zelândia, Austrália, África do Sul e Canadá) participaram do conflito como aliados do Reino Unido. A Irlanda permaneceu neutra.


 
Em 1949, a Irlanda deixou de participar da Commonwealth e proclamou sua total independência, com o nome de República da Irlanda ou Eire, que quer dizer "ilha" em seu idioma original céltico.
  

Bandeira da República da Irlanda, que é a porção sul da ilha irlandesa, e abrange 85% de seu território, ...


 cuja população é católica





 Dublin, capital da República da Irlanda



Como a República da Irlanda era um país agrário, com reduzidas oportunidades econômicas, muitos católicos migraram para a Irlanda do Norte, em busca de trabalho nas indústrias ligadas ao Reino Unido, e concentradas naquela região. 


Hoje, os católicos constituem 40% da população total da Irlanda do Norte, e sofrem intensa discriminação por parte dos 60% protestantes da população, ligados à Grã-Bretanha.


Em 1956, foi criado na República da Irlanda o IRA (Irish Republican Army) ou Exército Republicano Irlandês, que é uma organização terrorista que reivindica a unificação entre a República da Irlanda (Eire) e os seis condados que formam a Irlanda do Norte (Ulster). 


O IRA já executou vários atentados à bomba e assassinatos de autoridades britânicas e membros das lideranças protestantes da Irlanda do Norte. A principal ação do IRA foi a explosão, em 1979, da lancha pilotada pelo tio da rainha Elisabeth II, e considerado, na Inglaterra, herói da Segunda Guerra Mundial, almirante lorde Mountbatten. 


 





Embora o IRA tenha sido criado oficialmente em em 1956, voluntários que defendiam a República da Irlanda durante a Guerra da Independência da Irlanda, no início da década de 1920, já eram chamados de membros do IRA (Exército Republicano Irlandês)



As reações das forças de segurança do Reino Unido e dos protestantes da Irlanda do Norte também já provocaram muitas mortes entre a população católica da República da Irlanda. 

O episódio mais conhecido aconteceu em 1972, quando 14 civis católicos foram mortos por soldados ingleses em Belfast. O Fato ficou conhecido como "Domingo Sangrento", e virou tema de uma canção da banda de rock irlandesa U2.


Ainda em 1972, o governo do Reino Unido colocou a Irlanda do Norte sobre seu controle direto, por meio de uma ocupação militar. Só em 1998, o primeiro ministro trabalhista inglês Tony Blair estabeleceu um acordo entre ele, o primeiro-ministro da República da Irlanda, e os representantes protestantes da Irlanda do Norte, com direito a intevenção do presidente dos Estados Unidos na ocasião, Bill Clinton. O acordo ficou conhecido como Acordo da Sexta-Feira Santa.


No acordo, ficou estabelecida a realização de eleições para a formação de um parlamento na Irlanda do Norte, que indicaria um primeiro-ministro para comandar politicamente a região, que continuaria ligada ao Reino Unido, porém, com certa autonomia. Os católicos passaram a ter o direito de votar na Irlanda do Norte, o que antes não acontecia. 


Belfast, capital industrializada da Irlanda do Norte (Ulster), onde foi assinado o Acordo da Sexta-Feira Santa, em 1998



Apesar do acordo, nem o IRA, que quer a unificação entre as duas irlandas e a formação de uma só república, nem os extremistas protestantes, que querem continuar ligados à Grã-Bretanha, resolveram abandonar de vez as armas. Ambos os lados ainda possuem membros extremistas que apostam em ações violentas, a fim de que os resultados derrubem o acordo estabelecido em 1998. 

domingo, 16 de setembro de 2012

A CURIOSA VIDA DAS ABELHAS





Por Cássio Ribeiro

As abelhas tem seu período médio de vida determinado de acordo com as atividades que exercem dentro de sua comunidade. Esse período também depende da época do ano em que ocorre o nascimento das abelhas de uma colméia.

A sociedade das abelhas é rigorosamente harmoniosa, organizada e dividida em duas castas, uma reprodutora e a outra estéril. A casta reprodutora é formada pelas rainhas e os zangões.

A rainha é responsável apenas pela postura dos ovos, e é o indivíduo da colméia que possui a vida mais longa, chagando a viver até cinco anos. Já o zangão, possui a única função de fecundar a rainha e vive apenas cerca de 80 dias.

A casta estéril é formada pelas abelhas operárias, que possuem o aparelho genital atrofiado, mas são equipadas e próprias para os vários trabalhos de construção, manutenção e alimentação da colméia.

A vida das abelhas operárias dura entre quatro e oito semanas, de acordo com a época de seu nascimento. Elas vivem mais quando nascem no outono, pois precisam esperar pelas abundantes flores que surgirão na primavera.

Na sistemática classificação do reino animal, as abelhas são insetos divididos em várias espécies: lingustica, carnica, sivula e unicolor. Porém, a palavra abelha é geralmente usada para indicar a abelha doméstica, cujo nome científico é Apis Melífera Ligustica.



 A raça Apis Melífera Ligustica



As várias raças de abelhas apresentam diferenças marcantes, tanto no comportamento quanto na forma, mas sempre há um ponto comum, que é a administração de suas colméias.


Todas as espécies vivem em grupos familiares formadores de sociedades que duram vários anos, e são regidas pelo poder feminino, sendo as componentes de uma determinada colméia sempre provenientes de uma única fêmea rainha.


As abelhas operárias são menores que as reprodutoras (rainha e zangão). Sua forma é diretamente ligada às atividades que devem realizar durante a vida. As operárias executam trabalhos diferentes que se modificam com o passar do tempo, sendo o envelhecimento, assim como nos humanos, um motivador do aumento gradativo de sua experiência e um determinador de suas mudanças de atividade.


Durante os cerca de 80 dias de sua existência, a abelha operária passa pelas seguintes fases de vida que determinam suas atividades: os ovos da rainha “amadurecem” durante três dias. Surge então uma larva sem patas, que se alimenta ativamente, fazendo de 1000 a 1300 refeições diárias.


Toda essa intensa alimentação faz a larva aumentar seu peso em cinco vezes só nas primeiras 24 horas de vida. Seis dias depois de deixar o ovo, a larva, que ainda vive no alvéolo (célula onde a rainha põe seus ovos na colméia) fecha-se num casulo de seda. Começa a chamada fase crisálida, que é o estágio de 12 dias em que a larva se transforma em um inseto prefeito, atingindo sua forma adulta e definitiva.



Nos próximos 14 dias, a jovem abelha operária desempenha sua primeira função dentro da colméia, que é a de produzir alimento para a rainha, os zangões e as novas larvas. Só depois desse período inicial de trabalho dentro da colméia, a operária sai para procurar alimento, tornando-se assim uma abelha coletora.
 
Jovem abelha produzindo alimento

 

A fase coletora de uma abelha dura cerca de 7 dias apenas. Depois desse período, as operárias entram na idade senil e voltam a trabalhar dentro da colméia, realizando as atividades que necessitam de mais experiência para serem executadas (produção de cera, construção de favos e alvéolos, limpeza, proteção da entrada e ventilação da colméia). Em caso de necessidade, as operárias senis podem voltar a coletar alimentos.


Como coletora, cuja função é desempenhada num breve período de 7 dias durante a vida e ...


na última fase da vida, mais maduras e experiêntes, construindo e cuidando da colméia



A abelha rainha tem como função exclusiva a procriação, e pode produzir entre 1500 e 2000 ovos por dia. Possui, portanto, o maior tamanho corporal; tem abdome grande e alongado em forma de cone. Suas asas não cobrem completamente o abdome e são maiores que as asas das abelhas operárias.


O aparelho bucal da rainha não a possibilita produzir cera, geléia real e coletar pólen como as abelhas operárias. Durante a vida, que pode chegar a cinco anos, a rainha só sai da colméia para o vôo nupcial, que ocorre entre o 5º e o 7º dia de sua vida. Sua alimentação durante a vida é constituída exclusivamente de geléia ou gelatina real, produzida pelas glândulas situadas sob a faringe das abelhas operárias em sua fase jovem de vida, na qual desempenham a função alimentadora.



Dois momentos da rainha: apontada em destaque entre população da colméia e ...



rodeada por várias operárias durante a ovulação


Os zangões, que podem viver em média entre 40 e 80 dias, têm o corpo de tamanho médio, não tão grande quanto o das rainhas e nem tão pequeno quanto o das operárias. As asas dos zangões são geralmente do tamanho do abdome, que é mais curto e grosso em relação ao das fêmeas.

 
 
operária à esquerda, zangão à direita e a rainha ao centro, com corpo maior e mais alongado


Os olhos dos zangões são bem desenvolvidos, porém, eles não tem características físicas que os possibilitem alimentar-se sozinhos ou desempenhar algum trabalho dentro da colméia.


Os zangões são fortes, mas são inúteis para a vida em comunidade. Não possuem ferrão, glândulas para a produção de mel e coletor de néctar. A única função dos machos é fecundar a rainha virgem, mas morrem logo após a cópula. Quando se separa do zangão, a rainha arranca os órgãos genitais e parte dos intestinos do macho.



Os zangões são úteis apenas no período que vai do fim da primavera ao verão, quando as fecundações acontecem. Os machos que não fecundam, e por isso não morrem no ato da cópula com a rainha, são abandonados fora da colméia e eliminados pelas abelhas operárias.


 
Momento em que um zangão é eliminado por um grupo de operárias


As colméias possuem um número médio e constante de indivíduos de acordo com as necessidades de manutenção das mesmas. Por exemplo, uma colméia média é formada por cerca de 100 zangões, uma abelha rainha e 60 mil abelhas operárias.


A atividade em uma colméia acontece com maior intensidade durante o dia, quando a luz solar garante uma maior quantidade de flores abertas nas plantas, sendo assim bem mais farta a oferta de pólen e néctar na natureza. Também há atividade nas colméias à noite, embora seja bem menos intensa que durante o dia.


Embora as abelhas coletoras tenham como principal atividade a função de transportar pólen e néctar, também carregam bálsamos e própoles, que são substâncias pegajosas de cor escura derivadas de plantas resinosas. A própole é o material “cimentador” usado na construção dos favos e para tapar as fendas das colméias, além de cobrir os “cadáveres” de seres intrusos à colméia. Os bálsamos são usados para envernizar o interior dos alvéolos antes que a rainha deposite ali seus ovos.


 
  Abelhas operárias fechando as células hexaédricas dos favos




Outro elemento de extrema importância para a manutenção da vida na colméia, e que também é transportado pelas abelhas coletoras, é a água, que é essencial para manter a temperatura amena na colméia, principalmente nos períodos mais quentes do ano.


Apesar de toda essa mobilização ativa na colméia, a coleta de pólen e néctar é sem dúvida a atividade mais importante. É espetacular a atividade das abelhas operárias durante a coleta desses dois alimentos. Para uma abelha operária coletora completar uma carga de néctar, deve visitar cerca de mil flores.
 

Como a carga média transportada por uma abelha é de 5 miligramas por vez, e uma colméia chega a produzir cerca de 1 quilo de mel por dia durante a estação das flores, são necessários milhares de vôos realizados por cerca de 30 mil das 60 mil abelhas operárias de uma colméia.


A vida de uma colméia é definida por regras bem claras, e está diretamente ligada à manutenção da sobrevivência da espécie. A rainha exerce influência sobre todas as outras abelhas de sua colméia por meio de uma secreção glandular que cobre todo o seu corpo.


As abelhas operárias distribuem, de boca em boca, essa secreção glandular para todos os indivíduos da colméia. A substância química distribuída informa que a rainha está viva para todas as abelhas.


Caso a rainha morra, ou o número de indivíduos de uma colméia cresça ao ponto de a rainha não conseguir mais produzir a secreção glandular em quantidade suficiente para “marcá-los” todos, é necessário substituir a rainha. As abelhas alimentadoras escolhem e preparam algumas larvas entre as quais será escolhida uma nova rainha.


No caso de uma velha rainha morrer, a escolha da nova rainha será rápida e garantirá a sobrevivência da colméia. Já no caso da rainha permanecer viva, mas sua secreção glandular ser insuficiente para todos os indivíduos de sua colméia, haverá uma disputa mortal pelo trono entre as novas rainhas candidatas. Nesse caso, a velha rainha deixará a grande colméia para a vencedora e, acompanhada por algumas operárias que lhe serão fieis, sairá em busca de outro lugar adequado para construir uma nova colméia.


As abelhas também possuem capacidade de comunicação umas com as outras. Um curioso exemplo dessa comunicação é o clássico método de transmissão da informação sobre as fontes de alimentos encontrados pelas coletoras durante seus vôos de exploração.


Quando uma abelha coletora localiza uma nova fonte de alimentos, volta à colméia levando consigo pólen, néctar e perfume das flores do novo lugar que descobriu e visitou. A coletora inicia uma dança que permite às outras abelhas a localização das flores do lugar da nova fonte de alimentos.


A “dançarina” traça desenhos no ar com seus vôos e realiza movimentos de diferente intensidade com o abdome. Os movimentos fornecem às outras abelhas dados esclarecedores sobre a distância e a direção do novo lugar dos alimentos em relação à colméia.


O tipo de pólen e o perfume que trás consigo informa a espécie de flor da nova fonte de alimento. A intensidade, o ritmo e a cadência dos movimentos do abdome indicam a consistência, a distância e a direção do novo depósito de pólen e néctar descoberto.


Por meio de experiências realizadas, foi observado que uma abelha coletora indica, por meio de seus movimentos corporais, novas fontes de alimentos a até 3 quilômetros de sua colméia, com uma precisão de 50 metros. A “dança” também serve para informar a localização de locais adequados para a construção de novas colméias.



Após sua dança, a descobridora voa de novo para a nova fonte de alimentos, acompanhada por outras abelhas coletoras. Se no retorno dessa expedição ainda houver alimento abundante na nova fonte descoberta, uma nova viagem será realizada com um número maior de abelhas coletoras.


As coletoras são capazes de compreender a dança de abelhas da mesma espécie, mesmo que sejam de colméias diferentes. Porém, não existe comunicação entre operárias de espécies diferentes pois, embora todas as abelhas se comuniquem por meio de um mesmo tipo de linguagem corporal, o “dialeto” diferente de cada espécie torna a dança incompreensível entre espécies diferentes.


É prudente não incomodá-las!

As abelhas apresentam aspectos muito curiosos em relação à sua organização social e aos estudos dos mecanismos bioquímicos e fisiológicos exercidos pela rainha no controle de sua colméia. 



Fascinante também é a constatação de que as abelhas podem ser treinadas, tal como os roedores. Esse curioso inseto pode ser condicionado a apertar uma alavanca em grupo, ou realizar outra tarefa simples para obter alimento, uma solução de açúcar por exemplo.



Abelhas: frágeis sozinhas, fortes quando em grupo. Exemplo de organização social coletiva que, embora sejam irracionais, podem ter em diversos aspectos seus educados exemplos organizacionais adotados como modelo pelo racional ser humano.

domingo, 9 de setembro de 2012

JOSÉ AMARO: O HOMEM QUE AMOU O FORTE ORANGE





Por Cássio Ribeiro


Nossa história começa com um nome: José Amaro de Souza Filho; e uma sentença: 20 anos de prisão por homicídio, decretada em 1970.


Zé Amaro, como era conhecido na Ilha de Santa Cruz do Itamaracá, a 50 quilômetros de Recife, nasceu em Pernambuco, morou, tomou conta e cuidou do Forte Orange, que é uma belíssima fortaleza construída pelos holandeses em 1631, um ano depois de invadirem e dominarem Pernambuco.


O belíssimo cenário onde fica o Forte Orange, no detalhe abaixo à direita



A história de Zé Amaro se liga a do Forte Orange de forma muito curiosa. Levado à Casa de Detenção do Recife, em 1970, para começar a cumprir sua pena por homicídio, Zé, que nunca tinha ido à escola, aprendeu a ler e escrever com outro detento na prisão.


Depois de um ano preso, a Casa de Detenção do Recife foi fechada e Zé Amaro transferido para a Penitenciária Agrícola de Itamaracá (P.A.I), em 1971.


Como era um prisioneiro com bom comportamento e apresentava senso de cooperação, além de desempenhar a atividade artesanal entalhando peças de madeira, Zé Amaro foi selecionado junto com outros 39 presos para formar uma equipe de limpeza do Forte Orange, que seria restaurado pelo Exército Brasileiro entre 1971 e 1973.


Zé Amaro e os outros presos capinaram, tiraram o lixo e recolheram os cocos verdes da antiga fortaleza. Foi nessa ocasião, já no primeiro encontro com o Forte, que Zé Amaro apaixonou-se pela construção histórica: Eu dizia a todo mundo que quando deixasse a cadeia eu ia morar no Forte e tomar conta dele. Fiquei encantado. Naquele dia resolvi que faria de tudo para passar o resto da vida no Forte”, relembrou Zé Amaro em ocasião posterior.


No momento do primeiro encontro com o Forte Orange, Zé Amaro fez uma promessa para Nossa Senhora da Conceição: se fosse possível viver ali, passaria um ano acorrentado a uma bola de ferro. 


Zé Amaro: amor pelo Forte Orange à primeira vista




Três anos depois, em 1974, a promessa de Zé Amaro parecia ainda não ter surtido efeito. O detento foi transferido de presídio novamente e seu contato com o Forte Orange foi interrompido. Sendo assim, Zé Amaro dedicou-se exclusivamente ao artesanato, fabricando peças entalhadas em madeira.


Os trabalhos artísticos e o bom comportamento mais uma vez renderam ótimas referências de Zé Amaro com as autoridades policiais.
 


Zé foi convidado para participar de uma exposição artística no Paraguai, ainda na década de 70: “Eu fui o primeiro preso a sair do Brasil sem escolta”, relatou Amaro, que na ocasião da viagem enfrentou protesto de outros detentos, que apostaram que Zé não voltaria mais ao Brasil.


Porém, ao fim da exposição paraguaia, Zé Amaro voltou ao presídio motivado a continuar o trabalho artístico com esculturas. Passou a ensinar a arte de esculpir e entalhar madeira a outros detentos. Algumas pessoas doavam madeira para que ele pudesse desenvolver as oficinas e a criação das peças que foram exibidas em várias exposições pelo Brasil.

Com a atividade artesanal e os trabalhos com os outros presos, Zé Amaro conseguiu obter das autoridades a redução de sua pena e, após ficar preso 8 dos 20 anos totais de sua sentença, adquiriu a liberdade condicional, em 1978.

Com a liberdade, Zé Amaro viu novamente vivo o sonho de viver no Orange. Pediu permissão ao Exército para morar no Forte, e se comprometeu a limpar e restaurar a fortaleza dentro das limitações de seus recursos financeiros próprios.


A permissão para viver no Orange foi concedida, porém, a nova moradia, sem água encanada, energia elétrica e estrada de acesso, não apresentava um mínimo de conforto.

Zé Amaro encontrou um depósito de lixo a céu aberto, que servia de esconderijo para marginais. No meio da sujeira, Zé achou uma antiga bala de ferro usada pelos holandeses nos canhões que repeliam as embarcações que se aproximavam da costa de Pernambuco.

A promessa feita para Nossa Senhora da Conceição pôde ser paga. Com o auxílio de um tipo de algema e uma corrente, Amaro prendeu a bala de canhão pouco acima do tornozelo direito, e a arrastou por um ano, até que conseguiu limpar todo o Forte Orange. 


“Na ilha, todos me chamavam de maluco do forte, de doido. O povo achava que eu era um fantasma. Eu vivia como um ermitão. Sofri muito preconceito; além de ‘maluco’, eu era ex presidiário”, recordou Zé Amaro. 



Amaro tinha apenas uma enxada para limpar o matagal. Aos poucos, as ruínas foram novamente ganhando jeito de monumento histórico de verdade.

A recuperação do Forte Orange era financiada com o dinheiro das vendas das peças de madeira e das esculturas produzidas nas oficinas que Zé Amaro continuou realizando com os amigos presos, mesmo depois de ter saído da cadeia.

A renda gerada pela venda do artesanato era modesta, porém, suficiente para ser aplicada na iniciativa de restauração do monumento histórico.

Depois do Orange limpo e sem a bala de canhão amarrada ao pé, Zé Amaro sentiu a necessidade de arrecadar recursos para uma restauração mais profunda na fortaleza histórica, e foi à Brasília: “Era 1991, mas o presidente Collor não me recebeu e seus assessores não deram ouvidos ao que eu disse”, afirmou Zé Amaro, que não desistiu, e foi à embaixada da Holanda, onde foi orientado a criar uma fundação.


Em 1994, Zé Amaro e a esposa Gilsilene Souza abriram a Fundação Forte Orange: “Com a Fundação, o governo holandês liberou um dinheiro e o Forte pôde ser restaurado por inteiro, com a construção de banheiros e do portão”, disse Zé Amaro.


Na mesma ocasião da criação da Fundação, em 1994, Itamaracá ganhou seu primeiro museu, localizado no Forte Orange. O museu foi inaugurado pelo então Embaixador da Holanda Hendrix Van Oordt, e apresentava verdadeiras relíquias encontradas em escavações feitas no local, como peças dos tempos das ocupações holandesa e portuguesa (balas de canhão, crucifixos e artefatos de ferro).


Em 1996, apesar de ter concretizado seu sonho, Zé Amaro passou a viver um tormento. O Instituto Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e a Prefeitura de Itamaracá decretaram o Forte patrimônio nacional e Zé Amaro foi despejado do local, então já aberto à visitação pública.

Zé Amaro não desanimou e foi ao então ministro da Cultura, Francisco Weffort, e relatou sua história: “Quando terminei de falar, ele me deu a autorização para continuar a trabalhar no forte e me ofereceu uma casinha ao lado da fortaleza",  afirmou Zé Amaro.


Construído em 1631, o Forte Orange também serviu como prisão de frades portugueses avessos à implantação do calvinismo holandês no nordeste brasileiro. Com a expulsão dos holandeses de Pernambuco em 1654, o forte foi reformado pelos portugueses para proteger a cidade vizinha de Igaraçu. Os lusitanos também rebatizaram o forte com o nome de Fortaleza de Santa Cruz do Itamaracá, porém, o novo nome nunca pegou, tendo o nome dado pelos holandeses, Forte Orange, permanecido até os dias atuais

No interior do Forte, além do museu, havia uma loja de venda dos artesanatos feitos por Zé Amaro e uma capelinha. Para chegar à ilha de Itamaracá (“pedra que canta” em tupi) o visitante deve seguir pela BR-101 no sentido norte até Igaraçu. A partir daí, pega-se a estrada PE-35. A ilha é ligada ao continente por uma ponte sobre o rio Jaguaribe, e fica a 50 quilômetros de Recife

Deitado em uma rede armada embaixo da sombra de um pé de jamelão plantado por ele mesmo, Zé Amaro, que era conhecido na ilha como “O Guardião do Forte”, controlava os barraqueiros e fiscalizava o turismo ao redor do Orange, além de tomar conta do mangue e se exaltar com quem jogava lixo onde não devia.


Depois da ordem de despejo, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) deu a Zé Amaro uma medalha de honra ao mérito, em dezembro de 2002.


Em outubro de 2010, o forte Orange foi novamente fechado à visitação pública. A partir de então, Zé Amaro passou a se dedicar a uma criação de codornas e a uma venda na cidade de Itamaracá.

Um mês depois, em 29 de novembro de 2010, Zé amaro, então  com 60 anos, dirigia uma caminhonete por volta das 18 horas quando foi assassinado com vários tiros. 

Segundo a polícia, o crime foi motivado pela concorrência com o dono de outra venda que ficava próxima ao local onde Zé Amaro também vendia seus produtos: "Ele só estava trabalhando. Eu tenho certeza que esse crime tem relação com o novo negócio", contou, na época, a esposa de Zé Amaro, Gilsinele Silva Souza.

Em janeiro deste ano (2012), o comerciante Paulo Félix de Moura foi preso em Itamaracá acusado de ser o mandante da morte de Zé Amaro, o guardião do Forte Orange.


A polícia prendeu Paulo Félix por meio de uma denúncia. Paulo foi indiciado por matar como queima de arquivo o executor do assassinato de Zé Amaro, Renato Vieira da Silva. A Ossada de Renato foi encontrada em uma mata perto da casa de Paulo Félix, com uma marca de bala no crânio.

Renato estava desaparecido há 2 meses, desde que passou a ser o principal suspeito de ter matado Zé Amaro. Renato foi visto pela última vez subindo na caminhonete de Paulo Félix, que carregava algumas ferramentas de escavação na carroceria.



Zé Amaro, que dos 60 anos de vida dedicou 29 para cuidar do Forte Orange, confessou a vontade de viver muito tempo ainda no local. Ele disse que em suas orações pedia para não morrer logo a fim de poder continuar tomando conta da fortaleza e viver na ilha de Itamaracá: “Eu não posso me separar da ilha porque sou uma parte do Forte Orange. Eu sou uma pedra do Forte e não posso sair dali. Escolhi a ilha para morar e com fé em Deus vou viver muitos anos ali. Dei minha vida para aquele lugar e não me arrependo. Faria tudo de novo sem pestanejar”, afirmou Zé Amaro antes de morrer.


A trajetória do ex presidiário Zé Amaro, que virou símbolo da preservação do patrimônio histórico no Brasil e deixou cinco filhos: Sol, Marte, Vega, Sérgio e Alberico, é retratada no documentário "Orange de Itamaracá", de Marcio Câmara e Franklin Júnior.