domingo, 19 de junho de 2011

FUSCA: A SAGA DE UM SETENTÃO IMORTAL


Por Cássio Ribeiro



O barulho do motor soa inconfundível quando o elegante e arredondado senhor passa pela rua ainda hoje. É apertado sim, é antiquado se comparado com os modelos automotivos do século 21, mas também é danado de forte e possui uma lataria muito resistente. É um dos carros preferidos nas regiões rurais e montanhosas do Brasil, graças ao vigoroso e tradicional motor boxer refrigerado a ar. Possui o carinhoso apelido de "besouro" e tem o dia 20 de janeiro dedicado em sua homenagem. Trata-se do carro que quem ainda não andou, seguramente já o viu trafegando pelas ruas; o fuca, o fusquete, o fuscão, o simpático fusca.











O engenheiro austríaco Ferdinand Porsche se inspirou em uma gota para desenvolver o carro em 1936, associando as características de eficiência e baixo custo para produzir um veículo capaz de, ao preço acessível de 990 marcos, possibilitar que cada trabalhador alemão tivesse um automóvel.Era o tempo da Alemanha Nazista, e Hitler não estava preocupado com o lucro; queria a promoção da popularidade do regime, por meio de um projeto que reunia no Volkswagem (carro do povo em alemão), a simplicidade do motor boxer refrigerado a ar, e a caixa de marcha compactada em uma mesma unidade.





Uma das raras fotos em que Hitler aparece sorrindo, no momento em que é apresentado à miniatura do protótipo do "besouro"


Cada cidadão alemão que quisesse adquirir o carro, tinha que pagar 5 marcos por semana e só receberia o veículo após o término do pagamento do valor total de 990 marcos. Cerca de 175 mil alemães aderiram ao plano, porém, nenhum deles chegou a receber seu tão esperado fusca. Todas as 640 unidades produzidas até 1944 foram dadas aos integrantes mais importantes do Partido Nazista. A Alemanha saiu derrotada da 2ª Guerra Mundial, que terminou em 1945. A região do país onde os fuscas eram fabricados ficou sob domínio da Inglaterra.





Nos Estados Unidos, o fusca começou a ser produzido em 1949. No início, contou com a antipatia do povo americano que, no começo dos anos 1950, ainda o associava ao odiado e não esquecido nazismo de Hitler. Os americanos também estavam acostumados com automóveis grandes e a modelos com frente e traseira quadrados. Logo, o fusca recebeu o apelido pejorativo de beatle (besouro em inglês), nos Estados Unidos.




Foi o americano Bill Bernback — considerado o maior publicitário da historia — quem popularizou o carro na terra do Tio San. O estilo de seus anúncios fez o fusca ficar famoso em todo o mundo e deu origem a um novo jeito de fazer propaganda, que tratava o consumidor como se fosse um amigo próximo. O título da campanha de Bill era "pense pequeno". Os consumidores chegavam às lojas de automóveis repetindo os textos da campanha publicitária.





No Brasil, o primeiro fusca foi fabricado em 02 de fevereiro de 1953. Porém, a produção em série só começou em 1957, durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek. Era a época da Bossa Nova e do desenvolvimento econômico. O fusca chegou como um símbolo da industrialização nacional.




Nos anos 70 e 80, o fusca era produzido em 140 países. Quebrou um recorde de 15 milhões de carros vendidos, pertencente à Ford até 1972. O carro foi produzido no Brasil até 1986. Teve a produção retomada durante o governo Itamar Franco, entre 1994 e 1996, ano em que sua fabricação foi novamente extinta no país. Atualmente, o motor boxer só é fabricado no Brasil para atender as encomendas das fábricas de buggy e embarcações.




O México foi o último país a encerrar a produção de fuscas, em 2003, graças a uma sobrevida sustentada pela grande aceitação do modelo pelos taxistas daquele país.





Fusca é um mito, uma poesia, uma nostalgia em quatro rodas auto afirmada pelo exemplar mais ilustre, o Herbie de Hollywood. O carro sempre foi comparado a insetos; de carochinha em Portugal à joaninha, nos tempos em que era usado como viatura da Polícia Militar em alguns estados brasileiros. O fato é que, em pleno século 21, o besouro na verdade lembra as formigas. Não importa em qual cidade se esteja, sempre há um fusca por perto.




Assim como as estrelas que chegam ao fim de seu ciclo no universo permanecem visíveis na Terra, graças ao último raio de luz emitido que viaja pelo espaço em nossa direção, o astro fusca insiste em não se ofuscar ainda hoje. Quem dera se eles falassem.

domingo, 12 de junho de 2011

ÂNGULOS DIFERENTES DAS QUEDAS NO SURF. ÂNGULOS ATRAVÉS DOS QUAIS, TALVEZ, VOCÊ NUNCA TENHA VISTO

Por Cássio Ribeiro


Todos os dias, acordamos e entramos em contato com um mundo que é velho conhecido nosso. Vemos carros nas ruas, pessoas que andam apressadas nos centros das grandes cidades, crianças que brincam e tudo o mais que o leitor já viu, guardou em sua memória e é capaz de lembrar-se agora; pense só!




Só que também existem acontecimentos que se repetem periodicamente em nosso mundo vivente e nós não podemos perceber, seja pelo local impróprio onde acontece tal fato, seja pela própria rapidez do acontecimento em si, que não permite ao nosso limitado aparelho visual humano registrar. São momentos mágicos, únicos, lindos e, infelizmente, não testemunhados de forma ocular pela maioria dos humanos.




É por esses momentos e acontecimentos que não podemos ver que o fotógrafo australiano Mark Tipple é fascinado. Mark, que tornou-se especialista em registrar imagens de banhistas e surfistas no fundo do mar, conta que sempre foi atraído pelo que acontece abaixo da superfície; aquilo que está acontecendo e não podemos ver.





"Como vim com um repertório de surfe, eu costumava imaginar o que acontece quando estamos mergulhando, como é a aparência de um ângulo diferente do que costumamos ver. Eu costumava surfar com uma pequena câmera de vídeo presa ao meu capacete. Funcionou surpreendentemente bem, mas meu pescoço não conseguia absorver o impacto enquanto eu tentava mergulhar e capturar o ângulo certo. Tentei uma nova abordagem para capturar aquilo que queria; o que, basicamente, significava sair da prancha de surfe. Sem prancha, eu virava a câmera para os surfistas e os fotografava enquanto eles se contorciam e lutavam para evitar a água acima (da onda). Chegando à superfície, olhei a tela de led (da câmera) e a primeira imagem desse meu novo trabalho estava lá", conta o fotógrafo. Mark também afirma que, em 2011, está trabalhando para associar seus trabalhos com causas humanitárias.



Nesta semana, o Blog da Rádio Web Matrix apresenta uma matéria diferente. Publicamos neste domingo 12/06, um ensaio fotográfico do australiano Mark Tipple. As fotos sensacionais falarão por si, não sendo necessários textos muito aprofundados além de alguns comentários em forma de legenda embaixo das fotos. Nessa semana, a expressão do trabalho deste Blog fica apenas a cargo das imagens do australiano Mark Tipple, confira abaixo:




Acho que vi uma gatinha sendo "tragada" pelo tubo ali à esquerda




Congestionamento aliviado por diferentes níveis de "navegação"

Um "caldo" solidário e espelhado




A tempestade 1





A tempestade 2




Depois de toda tempestade ...




sempre vem ...



a bonança

Em situações como essa, no Havaí por exemplo, a rasa e afiada bancada de coral faz picadinho de surfista




E viva o Sol

domingo, 5 de junho de 2011

A ARTE SUBTERRÂNEA DE ZEZÃO

Por Cássio Ribeiro


Imagine ruínas abandonadas que já foram antigos prédios. Imagine acomodações rústicas embaixo de viadutos que são habitadas por mendigos. Imagine também o sistema subterrâneo de escoamento das águas da megalópole São Paulo, que drena os fluídos dos esgotos e as correntezas das chuvas da superfície asfáltica e concretada da capital paulistana para o poluído e agonizante Rio Tietê.

Esses locais certamente não são o lugar mais apropriado para um artista expor seus trabalhos, contudo, foram escolhidos pelo ex-punk e ex-motoboy paulistano José Augusto Capela, o Zezão, para criar e fazer sua arte.




Nos tempos em que era punk e motoboy, nos idos da primeira metade da década de 1990, Zezão começou praticando sua expressão por meio da pichação comum. Sua assinatura era “Vicio Pif Dst” (“vicious pintores infratores ferroviários destroy) e Zezão escalava prédios públicos para grafitar.

Com o tempo, sua caligrafia foi ganhando forma arredondada e as letras acabaram virando desenhos abstratos com caráter mais incrementado e artístico, lembrando uma espécie de língua tribal que não pode ser entendida de forma direta por nós, mas que possui expressivo significado de comunicação como veremos. Convido o agora, de certo, indignado leitor, a seguir até o fim desta matéria.




Zezão no início praticava a pichação comum, como esses jovens de São Paulo...



Com o passar do tempo, as letras de suas expressões ganharam novos contornos,...




até chegarem à forma atual e abstrata de seus flops, que hoje são reconhecidos como obras de arte em todo o mundo


O cenário da galeria, que não é especificamente aquela das artes, sem dúvida também não é dos mais agradáveis. Na parede, um “revestimento” com centenas de baratas saúda Zezão, que caminha.

Certa vez, a lanterna falhou subitamente e Zezão se viu envolto pela escuridão em pleno labirinto de túneis. Nenhum problema para o grafiteiro que conhece como ninguém a São Paulo que o cidadão comum, em suas idas e vindas pela cidade, não vê; aquela do subsolo.

Outro problema que pode atingir Zezão, de forma fatal, é amenizado pelo inseparável telefone Celular que o artista carrega sempre que se aventura nas galerias em tardes de verão na capital paulista.

Zezão deixa sempre um amigo de plantão para verificar a formação de nuvens sobre a cidade, a fim de avisá-lo via ligação sobre a iminente chegada de um temporal, o que encheria rapidamente os túneis até o teto com violentas correntes de água e arrastaria o grafiteiro indefeso para a calha do Rio Tietê, num afogamento certo e muito poluído.





Zezão afirma que seus maiores inimigos no ambiente onde grafita são os pregos enferrujados pelas águas do esgoto, ...


mas também sabe que corre muito perigo com a subida repentina do nível das águas que correm rumo ao Rio Tietê em dias de chuva forte


O grafiteiro conta que certa vez, ao ser avisado sobre a chegada de uma forte chuva, saiu rápido pela tampa de um bueiro em uma famosa via pública da capital paulista, para surpresa dos pedestres e motoristas que transitavam pelo local no momento.

Zezão agora caminha com uma lanterna nas mãos no interior de uma galeria. A água urbana passa ligeira e turvamente poluída na altura das canelas do grafiteiro, e só não entra em contato com a pele do artista graças a uma bota de borracha (galocha) que zezão usa como calçado para percorrer os caminhos subterrâneos da cidade de São Paulo.

O grafiteiro sabe de cór o ranking de velocidade da corrida aquática do esgoto que sempre assistiu fluir numa espécie de mix entre regata e fórmula 1, e cujas campeãs absolutas com melhores tempos de chegada ao Rio Tietê são as garrafas pet.




Zezão costuma dizer que embora não sejam dos mais limpos, os lugares onde ele grafita, diferentes de outras regiões da cidade, são calmos e cheios de paz, apenas com o som das águas lembrando os riachos e cachoeiras que corriam por ali antes de serem canalizados e poluídos pela urbanização desenfreada


Os outros “participantes” da fórmula 1 da má educação e da sujeira promovidos e patrocinados pelos habitantes de São Paulo são frutas estragadas, pacotes de petiscos, caixas de pasta de dente, dezenas de cachorros e alguns cavalos, além de muitos outros “corredores” anônimos que concorrem nas “provas” de má cidadania que não acontecem apenas em São Paulo, mas também em toda grande cidade onde haja a concentração do animal, muitas vezes “irracional”, ser humano.

Pode-se observar por meio do lixo urbano preso, o nível que a água corrente chega nos dias de chuva forte.


A iluminação que incide através dos bueiros empresta um ar de galeria de arte sofisticada às obras de Zezão nos subterrâneos paulistanos


A forma como Zezão produz um grafite seu é descrita abaixo num trecho de texto publicado na Revista piauí, um ícone do jornalismo literário brasileiro, em http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-12/grafiteiro/zezao-sai-do-esgoto:
“Zezão tira o menor rolinho de espuma, o de 4 centímetros de largura, da sacola que leva atravessada no peito, e o mergulha na tinta azul- clarinha. Na parede interna da galeria de esgoto, pinta um pequeno círculo. Do meio dele faz sair um traço horizontal para a esquerda e, com agilidade, pinta ao redor uns arabescos. Uma das pernas encaracoladas do desenho, a mais magricela, segue como um pega-rapaz em direção às águas opacas e malcheirosas do córrego Carandiru. "Por esse esgoto correu o sangue dos detentos, por isso gosto de voltar aqui", diz, em tom reflexivo, enquanto agita, como se fosse um chocalho, uma latinha de tinta. É sempre assim. Com o rolinho, ele faz desenhos sinuosos com o azul-claro. Com o spray azul-escuro, faz o contorno.” Crédito: Revista piauí.





O que Zezão faz nem tem muito apego com a estética e na verdade é uma forma de intervenção urbana, que mostra, através do contraste entre o azul cheio de vida dos desenhos do grafiteiro e o meio urbano degradado, como um lugar que já abrigou um rio limpo cheio de peixes e vida foi destruído pela ocupação desequilibrada e cruel de uma grande cidade como São Paulo. Os grafites abstratos de Zezão expressam ao mesmo tempo vergonha, saudade, crítica ao sistema e muito mais.



Nesta imagem, por meio do reflexo do trabalho de Zezão na água poluída, pode ser observada a essência da obra artística urbana do grafiteiro, que traz novamente, através de suas cores vivas, um pouco de alegria e vida para um lugar completamente degradado. Trata-se de uma espécie de curativo para cidade ferida pela poluíção, pela violência e pela morte




Trata-se da Folkcomunicação (comunicação do povo), que a jornalista brasileira Márcia Campos, de Pindamonhangaba-SP, que vive atualmente na Irlanda e é estudiosa de Folkcomunicação explica: “Folkcomunicação é um termo cunhado por Luiz Beltrão nos anos 60 para definir a comunicação realizada pelos marginalizados (público que está a parte da grande mídia). Ela pode estar diretamente ou indiretamente ligada ao folclore. Trocando em míudos, folkcomunicação nada mais é do que a expressão comunicativa dos grupos marginalizados através de seus próprios canais e agentes. Além do grafite, a pichação comum também é uma expressão comunicativa dada por inscrições que assumem diferentes formas como assinaturas, desenhos, frases de efeitos, etc. Geralmente suas mensagens são de cunho politico e tomam como canal vias publicas, monumentos e edificios (midia externa), tal expressão tem como objetivos desafiar a ordem publica, chocar e expressar idéias, e ideais de um grupo marginalizado, que toma para si um meio público e massivo como canal. Assim sendo, todo o processo comunicativo da pichação envolve todos os agentes destacados por Beltrão na Folkcomunicação”, completa a jornalista.


Vale lembrar que, embora a pichação comum também faça parte da Folkcomunicação, sua prática, quando expressada em prédios e monumentos urbanos, é considerada crime no Brasil



Quando questionado sobre o motivo que o levou às ruas, Zezão afirma:“Eu desenhava sem pretensão. Queria só rabiscar. Eu sempre gostei das ruas, queria deixar a cidade mais bonita."



Zezão já expôs seus trabalhos pelo mundo: em Londres, em Nova Iorque, nas Catacumbas de Paris, em Praga, capital da República Tcheca e em diversos outros países.



Para ele, sua obra só é considerada grafite quando é realizada no meio urbano, e não quando é exposta em galerias ou vendidas em placas de concreto com o propósito de decoração em ambientes, por preços que chegam a variar entre 1000 e 4000 reais.


Zezão em túnel de Londres




Sua obra em exposição no RJ...




e em uma galeria de arte em Nova Iorque. Em exposições como essa, Zezão não considera suas obras grafite...





ficando a definição "grafite" reservada apenas para as práticas públicas no meio urbano, como nesse trabalho no bairro do Bronx, em Nova Iorque



Em diferentes e curiosas ocasiões, sendo elas grafite ou não, é certo que as obras de arte de Zezão saíram dos esgotos e subterrâneos para ganharam literalmente o mundo.