sábado, 10 de outubro de 2015

ENSAIO: CEMITÉRIO DOS PASSOS EM GUARATINGUETÁ REÚNE OBRAS DE ARTE A CÉU ABERTO

 



Cássio  Ribeiro

A ideia não foi minha. Quem pensou na produção deste trabalho, em 2005, foi o professor de fotojornalismo e grande fotógrafo João Rangel, de Aparecida-SP, que atua como professor no Departamento de Comunicação da UNITAU (Universidade de Taubaté).


Eu fui fazer as fotos em 2005, só que às três horas da tarde e com sol intenso. Levei as fotos para o Rangel ver e ouvi dele a orientação para que o trabalho fosse feito com menos luz do dia, mais para o fim da tarde.


Dessa vez, dez anos depois, fui tentar na hora certa, e o resultado está aqui, ao final deste texto, nos recortes visuais das obras de arte e da realidade daquele histórico campo santo, o cemitério Nosso Senhor dos Passos, que fora inaugurado no século 19,  em 1855.




O surto de cólera que assolava a cidade de Guaratinguetá naqueles anos comprometia a localização do cemitério de então, que era dentro da Matriz de Santo Antônio e no terreno anexo àquela paróquia, bem junto ao aglomerado urbano inicial do centro da cidade, a massa urbana, que se desenvolveu inicialmente como povoamento a partir do entorno da igreja Matriz.


Cemitério no século 19 funcionava assim: dentro das igrejas, os mais importantes da sociedade de determinada região eram enterrados mais próximos do altar; os menos abastados eram sepultados nas laterais, do lado oposto ao altar ou nas paredes. Durante as missas de domingo, não era muito raro o mau cheiro e ossadas que surgiam na superfície do chão de terra batida. 


No interior das igrejas, a grande maioria das pessoas sepultadas eram brancos. Havia raras exceções de enterros de negros no interior das paróquias. Apenas negros alforriados e escravos que eram considerados como membros da família por seus senhores eram sepultados em igrejas.



Naqueles anos, Guaratinguetá era assolada pela terrível ameaça urbana da cólera, que matava perigosamente. Sepultar os corpos no interior e próximo das igrejas passou a ser um caso de má conduta em termos de saúde pública. O cemitério dos Passos foi uma alternativa para que os corpos passassem a ser sepultados em local mais distante do centro antigo de Guaratinguetá



Para resolver o problema de contaminação pela Cólera, foram inaugurados dois cemitérios: o cemitério que ficava onde hoje é o bairro Alto das Almas, e que foi desativado depois da construção da rodovia Presidente Dutra, e o cemitério Nosso Senhor dos Passos, que foi iniciado em 1855, e fica à rua Coronel Pires Barbosa, sem nº, no centro da cidade.


 

 O  aglomerado urbano do antigo centro que se desenvolveu no entorno da Matriz ...






obrigou a edificação de um cemitério mais afastado da cidade para se evitar a contaminação pela cólera















"Revertere Ad  Locvm Tvvm": Retornará de onde vieste








Um primeiro fato curioso observável nos túmulos dos Passos é o registro de uma língua portuguesa mais aos moldes do século 19, gravada em pedra. Um dos antigos túmulos expõe a frase “amor dos seus paes” e outro “ao idolatrado esposo e pae venerado.”  Tratam-se de uma constatação viva de que os elementos culturais de um povo, incluindo sua língua, são dinâmicos e sofrem alguma transformação ao longo do tempo.






O túmulo mais antigo remanescente dos tempos da inauguração é datado de 1858. Há desde os túmulos em caríssima e importada mármore carrara, ou em pedra sabão como as famosas obras de Aleijadinho que ficam Congonhas do Campo-MG, até simples túmulos bem antigos com cruz de madeira apenas.



O cemitério dos Passos é uma amostra das diferentes classes sociais e das bases de formação da cidade no passado. Das famílias mais tradicionais, entre nobres, ex-conselheiros do império, um ex-presidente do Brasil, grandes médicos e advogados, até as quadras das famílias de classes sociais não tão expressivas, ali, todos descansam em paz. 



“Pode a muitos não parecer um itinerário comum, mas precisamos olhar o cemitério como um palco de arte e um patrimônio arquitetônico e cultural a ser preservado, pois muitos de nós temos lá seus antepassados, suas raízes. Esquecer disso ou deixar que isso se perca, é algo ofensivo. Talvez cause estranheza esse olhar sobre o cemitério, mas é só pensarmos num relógio: quanto mais os ponteiros caminham em um sentido, nós já caminhamos no sentido inverso”, diz o escritor Tonho França, de Guaratinguetá.



O ensaio fotográfico sobre a arte tumular do cemitério Nosso Senhor dos Passos segue abaixo. Uma homenagem dedicada à memória de todos aqueles que jazem nos Passos.



Começando pelo ex-presidente do Brasil, Rodrigues Alves, guaratinguetaense que governou o País entre 1902 a 1906, com destaque para a reurbanização aos moldes de melhorias sanitárias da cidade do Rio de Janeiro, então capital da República.



Foi reeleito para a presidência do Brasil entre 1918 e 1922, mas não assumiu o segundo mandato por ter ficado doente e falecido de gripe espanhola, em 1919.






Túmulo do Professor Dario Rodrigues Leite, que teve seu nome dado ao estádio de futebol da cidade


































Homenagem de uma mãe que perdeu o filho jovem, vitimado por tifo































































Poema da Eternidade

"Levo-a sempre dentro de mim,
Entre as sombras serenas das estradas,
Em meio ao segredo doce das romãs, dos alecrins,
Levo-a sempre dentro de mim.
Ainda que o fardo da saudade
Faça mais pesada ser a caminhada.
Levo-a sempre dentro de mim,
Nos olhos, no peito, na pele tatuada,
Nas orações de todo nascer do dia,
Nos segredos, nos meus poros, na poesia,
Onde outro amor, nenhum amor, mais caberia.
Levo-a sempre dentro de mim,
Com a alma renovando-se a cada estação,
Com o tempo amadurecendo o coração,
Com a lembrança mais viva da tua imagem
Em meio ao segredo doce das romãs, dos alecrins,
Atravessando as portas, as pontes, os portos,
Até que a vida se faça, se cumpra, e me leve enfim,
Eu sempre a levarei dentro de mim".


Tonho França.




 

Agradecimentos à Santa Casa de Misericórdia de Guaratinguetá.

 






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