Cássio Ribeiro
A ideia não foi minha. Quem pensou na produção deste trabalho, em 2005, foi o professor de fotojornalismo e grande fotógrafo João Rangel, de Aparecida-SP, que atua como professor no Departamento de Comunicação da UNITAU (Universidade de Taubaté).
Eu fui fazer as fotos em 2005, só que às três horas da tarde e com sol intenso. Levei as fotos para o Rangel ver e ouvi dele a orientação para que o trabalho fosse feito com menos luz do dia, mais para o fim da tarde.
Dessa
vez, dez anos depois, fui tentar na hora certa, e o resultado está aqui, ao
final deste texto, nos recortes visuais das obras de arte e da realidade
daquele histórico campo santo, o cemitério Nosso Senhor dos Passos, que fora
inaugurado no século 19, em 1855.
O surto de cólera que assolava a cidade de
Guaratinguetá naqueles anos comprometia a localização do cemitério de então,
que era dentro da Matriz de Santo Antônio e no terreno anexo àquela paróquia,
bem junto ao aglomerado urbano inicial do centro da cidade, a massa urbana, que
se desenvolveu inicialmente como povoamento a partir do entorno da igreja
Matriz.
Cemitério
no século 19 funcionava assim: dentro das igrejas, os mais importantes da sociedade
de determinada região eram enterrados mais próximos do altar; os menos
abastados eram sepultados nas laterais, do lado oposto ao altar ou nas paredes.
Durante as missas de domingo, não era muito raro o mau cheiro e ossadas que
surgiam na superfície do chão de terra batida.
No
interior das igrejas, a grande maioria das pessoas sepultadas eram brancos.
Havia raras exceções de enterros de negros no interior das paróquias. Apenas negros
alforriados e escravos que eram considerados como membros da família por seus
senhores eram sepultados em igrejas.
Naqueles
anos, Guaratinguetá era assolada pela terrível ameaça urbana da cólera, que
matava perigosamente. Sepultar os corpos no interior e próximo das igrejas
passou a ser um caso de má conduta em termos de saúde pública. O cemitério dos
Passos foi uma alternativa para que os corpos passassem a ser sepultados em
local mais distante do centro antigo de Guaratinguetá.
Para
resolver o problema de contaminação pela Cólera, foram inaugurados dois
cemitérios: o cemitério que ficava onde hoje é o bairro Alto das Almas, e que
foi desativado depois da construção da rodovia Presidente Dutra, e o cemitério
Nosso Senhor dos Passos, que foi iniciado em 1855, e fica à rua Coronel Pires
Barbosa, sem nº, no centro da cidade.
O aglomerado urbano do antigo centro que se desenvolveu no entorno da Matriz ...
obrigou a edificação de um cemitério mais afastado da cidade para se evitar a contaminação pela cólera
"Revertere Ad Locvm Tvvm": Retornará de onde vieste
Um primeiro fato curioso observável nos túmulos dos
Passos é o registro de uma língua portuguesa mais aos moldes do século 19,
gravada em pedra. Um dos antigos túmulos expõe a frase “amor dos seus paes” e
outro “ao idolatrado esposo e pae venerado.” Tratam-se de uma constatação viva de que os elementos culturais de um povo, incluindo sua língua, são
dinâmicos e sofrem alguma transformação ao longo do tempo.
O túmulo mais antigo remanescente dos tempos da inauguração é datado de 1858. Há
desde os túmulos em caríssima e importada mármore carrara, ou em pedra sabão como
as famosas obras de Aleijadinho que ficam Congonhas do Campo-MG, até simples
túmulos bem antigos com cruz de madeira apenas.
O
cemitério dos Passos é uma amostra das diferentes classes sociais e das bases
de formação da cidade no passado. Das
famílias mais tradicionais, entre nobres, ex-conselheiros do império, um
ex-presidente do Brasil, grandes médicos e advogados, até as quadras das famílias
de classes sociais não tão expressivas, ali, todos descansam em paz.
“Pode
a muitos não parecer um itinerário comum, mas precisamos olhar o cemitério como
um palco de arte e um patrimônio arquitetônico e cultural a ser preservado,
pois muitos de nós temos lá seus antepassados, suas raízes. Esquecer disso ou
deixar que isso se perca, é algo ofensivo. Talvez cause estranheza esse olhar
sobre o cemitério, mas é só pensarmos num relógio: quanto mais os ponteiros
caminham em um sentido, nós já caminhamos no sentido inverso”, diz o escritor
Tonho França, de
Guaratinguetá.
O
ensaio fotográfico sobre a arte tumular do cemitério Nosso Senhor dos Passos
segue abaixo. Uma homenagem dedicada à memória de todos aqueles que jazem nos
Passos.
Começando pelo ex-presidente do Brasil, Rodrigues Alves,
guaratinguetaense que governou o País entre 1902 a 1906, com destaque para a
reurbanização aos moldes de melhorias sanitárias da cidade do Rio de Janeiro, então
capital da República.
Foi reeleito para a
presidência do Brasil entre 1918 e 1922, mas não assumiu o segundo mandato por
ter ficado doente e falecido de gripe espanhola, em 1919.
Túmulo do Professor Dario
Rodrigues Leite, que teve seu nome dado ao estádio de futebol da cidade
Homenagem de uma mãe que perdeu o filho jovem, vitimado por tifo
Poema da Eternidade
"Levo-a sempre dentro de mim,
Entre as sombras serenas das estradas,
Em meio ao segredo doce das romãs, dos alecrins,
Levo-a sempre dentro de mim.
Ainda que o fardo da saudade
Faça mais pesada ser a caminhada.
Levo-a sempre dentro de mim,
Nos olhos, no peito, na pele tatuada,
Nas orações de todo nascer do dia,
Nos segredos, nos meus poros, na poesia,
Onde outro amor, nenhum amor, mais caberia.
Levo-a sempre dentro de mim,
Com a alma renovando-se a cada estação,
Com o tempo amadurecendo o coração,
Com a lembrança mais viva da tua imagem
Em meio ao segredo doce das romãs, dos alecrins,
Atravessando as portas, as pontes, os portos,
Até que a vida se faça, se cumpra, e me leve enfim,
Eu sempre a levarei dentro de mim".
Tonho França.
Agradecimentos à Santa Casa de Misericórdia de Guaratinguetá.
Muito legal! O anjo no contraluz e o Epitáfio do Epitafista são o máximo! Parabéns!
ResponderExcluirObrigado Fábio...
ResponderExcluirO anjo no contraluz realmente ficou belíssimoooo!
ResponderExcluirO anjo no contraluz realmente ficou belíssimoooo!
ResponderExcluirGratidão Angelica...
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