Uma senhora sentada observa voltada para o santuário ao
fundo...
As fitas de tecido sedoso e fino tremulam ao
vento do entardecer de 25 de outubro de 2015, domingo passado, dia de Santo ou
São Frei Galvão, o primeiro santo do Brasil
Cada uma das milhões de fitas coloridas que balançam ao vento representa um pedido
feito ou uma graça alcançada por intercessão de São Frei Galvão
O pátio está cheio de barracas e há um grande palco
montado para os shows todas as noites durante a festa dedicada ao Santo durante
duas semanas. É o último dia da festa
Vamos ao Santuário de São Frei Galvão
Quando
o visitante entra à igreja depara-se com o belo altar que chama a atenção, mas
em algum momento, dentro do santuário, a
pessoa vira-se para trás a fim de olhar o outro lado, oposto ao do altar,...
e depara-se com um quadro formado por milhares de fotos de pessoas que receberam graças e milagres de
São Frei Galvão
Em
um canto do quadro, estão apenas as fotos dos bebês gerados por
gestantes que ouviram dos médicos que não poderiam ter filhos
No outro canto do santuário, são distribuídas as
pílulas milagrosas de São Frei Galvão. Frei Galvão viveu num tempo, século 18, em que a
medicina nem chegava às bases da sua realidade modernamente desenvolvida dos
dias de hoje
Sem muitos
médicos e medicina evoluída, restava a busca da cura por meio da fé na intercessão
de freis e padres, e foi aí que São Frei Galvão começou a ficar conhecido.
Uma
jovem apresentava fortes dores renais, e Frei Galvão escreveu, em latim, a
seguinte oração num pequeno pedaço de papel: “Após o parto, permaneceste virgem.
Ó mãe de Deus, intercedei por nós!” A frase é um trecho do Ofício de Nossa Senhora.
Frei
Galvão então dobrou o papel no formato de uma espécie de pílula e deu à jovem,
que já corria risco de morte. Os relatos históricos citam que a dor cessou e o
cálculo renal foi expelido imediatamente.
Outro
relato diz que uma mulher passava por um parto complicado e, ao receber a
pílula dada por Santo Frei Galvão, a criança veio ao mundo sem nenhum problema,
e logo após a ingestão da pílula
Os
casos das pílulas se propagaram e Frei Galvão passou a produzi-las
junto com as freiras. As irmãs fazem as pílulas até hoje, e são distribuídas
gratuitamente 300 unidades em média por dia atualmente.
Distribuídos
no Santuário do Santo, o envelope, à esquerda, que vem com a oração de
São Frei Galvão, à direita, e três pílulas, abaixo. As pílulas são
fabricadas pelas irmãs com papel de arroz
Apesar
da popularidade das pílulas, a orientação da Igreja e dos médicos é a de que as
pessoas não substituam o tratamento medicinal tradicional por seu uso.
O
belo cântico começa e, com ele, tem início a novena
A imagem de 8 metros e 1600 quilos, as fitas ...
Os fieis
Como essa realidade atual de devoção ao primeiro Santo brasileiro começou?
O
dia exato não pode ser precisado, mas o século é o 18, e o ano é 1739. A data
exata nem é tão relevante, já que o ano em si já é marcante na história do Catolicismo
brasileiro.
Nascia
naquele ano, na então freguesia de Santo Antônio de Guaratinguetá, na capitania
de São Paulo, Antônio de Sant’Anna
Galvão. Seu pai era o português Antônio Galvão de França, que atuava como
capitão-mor de Guaratinguetá naquele tempo, e teve onze filhos com a senhora
Isabel Leite de Barros. Frei Galvão foi o quarto fruto dos onze gerados por
aquele casal.
Sua
família era muito influente no cenário político e social, além de dedicar-se
com afinco às atividades religiosas católicas daquele século 18.
Maquete
com a localização da Rua do Hospital e da Rua do Teatro formando a famosa
esquina onde fica a casa em que o Santo nasceu e passou toda a infância . A
construção original ruiu com o passar dos séculos ...
E
foi reconstruída para abrigar um museu com pertences e móveis que foram do
Santo. As antigas ruas do Hospital e do Teatro atualmente chamam-se rua Frei
Galvão, à esquerda, e rua Frei Lucas, à direita
Como
pode ser observado na maquete do Memorial Frei Galvão, as ruas formadoras da
famosa esquina onde fica a casa de São Frei Galvão, no centro de Guaratinguetá,
ficam bem próximas à Igreja Matriz de Santo Antônio, que na maquete tem a
reprodução de sua antiga edificação anterior,
no século 18, ...
época em que Frei Galvão foi batizado e
frequentava aquela paróquia
Seus
pais enviaram o jovem Antônio, aos 13 anos, para o seminário jesuíta Colégio de
Belém, localizado na Bahia, para o jovem estudar as áreas humanas.
Dona Isabel, sua mãe, mulher muito bondosa, faleceu aos
38 anos. Deixou o adolescente Antônio, de 16 anos, entregue aos estudos
religiosos do convento.
Frei
Galvão ficou no Colégio de Belém dos 13 aos 18 anos, de 1752 a 1756, período em
que desenvolveu seu intelecto nos campos do cristianismo e da sociologia.
O
jovem retirou-se em um convento jesuíta ainda tão novo porque queria tornar-se
padre daquela ordem religiosa. Quem o demoveu da ideia foi seu pai, que era da
Ordem Terceira de São Francisco, e aconselhou o jovem a torna-se franciscano em
função da perseguição que os jesuítas sofriam pelo Marquês de Pombal, na época.
Pombal foi secretário de estado do Reino de Portugal e,
influenciado pela valorização da razão sobre a fé (o Iluminismo) perseguiu e
expulsou os padres jesuítas de Portugal e suas colônias.
Com
a saída da Ordem Jesuíta, Frei Galvão fixou sua nova morada em um convento
franciscano, a Congregação da Imaculada
Conceição, localizada em Taubaté.
Embora
tenha passado toda a adolescência e início da juventude estudando em internatos
católicos, sua decisão definitiva de abdicar da riqueza da família e torna-se
um noviço ocorre aos 21 anos, em 1760, e o jovem passa a viver no Convento de
São Boaventura de Macacu, em Itaboraí, no estado do Rio.
Como
noviço, Galvão adota o nome religioso Antônio de Sant’Ana Galvão e passa a ser
um exemplo de grande bondade e piedade para com as pessoas enfermas e
necessitadas.
Em
1761 assume o voto de pregar a defesa do título de Imaculada da Virgem Maria. O
voto, como filho, escravo e servo, era visto de forma polêmica naquela época.
Galvão
é ordenado sacerdote em 1762 e segue para o Convento de São Francisco, em
São Paulo. No lugar, continua a desenvolver seus estudos filosóficos e
teológicos.
Em
1768, torna-se confessor, pregador e porteiro do Convento de São Francisco,
funções muito importantes naquele tempo.
Frei Galvão sempre se destaca por sua
conduta religiosa e bondosa, tendo sido considerado o “Novo Esplendor do
Convento” pela Câmara Municipal de São Paulo.
Em
1770, é convidado para integrar a então “Academia dos Felizes” (Academia
Paulista de Letras) onde apresenta belíssimas composições de expressões do
sentimento religioso.
Como
confessor, ao atuar no recolhimento de Santa Teresa, conhece a freira penitente
Irmã Helena Maria do Espírito Santo, que afirmava ter visões nas quais Jesus
pedia para que fosse fundado um novo convento.
Frei Galvão avaliou as mensagens
junto com outros membros do clero e as mesmas foram reconhecidas como
sobrenaturais e autênticas.
A
obra durou 28 anos e, Frei Galvão, junto com escravos e voluntários, construiu
o recolhimento chamado Convento Nossa Senhora
da Luz, em São Paulo, concluído e fundado oficialmente pelo Santo em
1774.
Ferramentas utilizada nas construções
O
convento servia de internato para meninas que queriam seguir a vida católica
sem fazer votos. Era a Ordem das Irmãs Concepcionistas e Frei Galvão era o
líder espiritual das irmãs e diretor do convento.
Os estatutos escritos pelo
Santo eram um guia para a disciplina religiosa na vida do internato.
Mosteiro da luz, construído pelo Santo, e que atualmente abriga também o Museu de Arte
Sacra de São Paulo, com um dos maiores e mais completos acervos de arte sacra
do Brasil
A
ligação de Frei Galvão com o Convento da Luz era tão importante e significativa
desde a sua construção, que quando o Santo foi ordenado Mestre dos Noviços e
enviado novamente para Macacu, no Rio, as irmãs escreveram para o Superior
Provincial da Igreja o seguinte apelo: “nenhum dos habitantes desta cidade será
capaz de suportar a ausência deste religioso por um único momento." Galvão
acabou enviado de volta para São Paulo.
Pelo
feito de ter construído, mesmo sem nunca ter cursado arquitetura, o hoje
chamado Mosteiro da Luz, que é considerado atualmente Patrimônio Cultural da
Humanidade pela UNESCO, São Frei Galvão é considerado protetor dos engenheiros
e arquitetos e Patrono da Construção Civil no Brasil, título que foi concedido
pelo Papa João Paulo II, em 2000.
Altar
andaime, no Memorial Frei Galvão, em homenagem a atividade de
construtor e arquiteto desenvolvida por Frei Galvão. À direita na foto,
observa-se uma réplica do desenho esboço original do Mosteito da Luz
feito pelo Santo. O CREA (Conselho Regional de Arquitetura) concedeu ao
Santo um diploma de arquiteto, que se encontra em um quadro no Mosteiro
da Luz, na capital paulista.
É
provável que toda essa destreza em arquitetura e construção demonstrada
por Frei Galvão, além de ser um dom divino dado ao Santo, tenha sido adquirida nos tempos de sua juventude, quando o jovem Galvão estudou no internato Jesuíta na Bahia
Os
padres Jesuítas sempre foram exímios arquitetos e construtores desde o
início da colonização portuguesa no Brasil, como se observa nas, ainda de pé,
ruínas de São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul. Construídas
pelos jesuítas a partir de 1687, o padrão arquitetônico das ruínas até
lembra o estilo da fachada do Mosteiro da Luz.
Já
bem
idoso, São Frei Galvão recebeu permissão para ficar no convento que
ajudou
a criar e construir. Lá passou a viver em um pequeno quarto humilde.
Faleceu no convento mesmo, em 23 de dezembro de 1822. Está sepultado lá
também,
onde seu túmulo é muito procurado por fieis que peregrinam até o local
para
agradecerem graças e milagres alcançados.
Durante
o velório e o sepultamento de Frei Galvão, sua fama de santo já era conhecida
pelo Brasil. As pessoas foram-lhe tirando partes da batina até a mesma ficar na altura dos joelhos.
Como
o Santo possuía apenas uma batina franciscana, em função do voto de pobreza,
vestiram-lhe outro hábito de outro frade, hábito esse que também ficou curto da
mesma forma, pelo fato das pessoas presentes no velório tirarem-lhe pedaços.
A
primeira lápide de seu túmulo também foi levada aos poucos. Era comum os fieis
colocarem pedras e fragmentos da lápide em copos d’água para o tratamento de
enfermos.
Alguns
fenômenos sobrenaturais sempre foram atribuídos a São Frei Galvão como:
levitação, premonição e telepatia. Também são bem conhecidos e famosos os casos
de bilocação na vida de São Frei Galvão.
Há relatos de que o Santo estaria
presente em lugares diversos cuidado de
pessoas muito doentes e debilitadas ao mesmo tempo.
A canonização de um Santo se dá depois da comprovação
médica e científica de pelo menos dois milagres.
O
primeiro reconhecimento foi a cura de Daniella Cristina da Silva, em 1990,
então com 4 anos. A menina, após ingerir a pílula de Frei Galvão, tornou-se sã
de uma hepatite já citada pelos médicos como impossível de ser curada. Veio a
comprovação do primeiro milagre e a beatificação.
A grande idealizadora da beatificação, irmã Célia Cadorin, recebe a bênção do Papa João
Paulo II durante a beatificação de Frei Galvão, em 25 de outubro de 1998
Na
beatificação, o Papa declara alguém beato ou bem-aventurado, e isso passa a ser
considerado um ensinamento oficial da Igreja com relação ao beatificado. Representa
que a pessoa viveu as virtudes e os dogmas cristãos de um jeito heroico ou como um mártir.
O
segundo milagre reconhecido ocorreu em 1999. Sandra Grossi de Almeida
possuía uma má formação uterina que a medicina afirmava tornar impossível que
ela gerasse um feto em seu útero além dos 4 meses. Sandra tomou uma das pílulas de São
Frei Galvão e deu à luz ao menino Enzo.
Com
os dois milagres comprovados, veio a canonização e Santo Frei Galvão passou a ser o
primeiro Santo brasileiro. Foi em 11 de maio 2007, durante a visita do Papa
Bento 16 ao Brasil.
A cerimônia, realizada no aeroporto Campo de
Marte, em São Paulo, durou cerca de duas horas e foi assistida por oitocentas
mil pessoas aproximadamente, segundo dados oficiais.
Quando
o reconhecimento de Santo ocorre em relação a uma pessoa, isso é feito
pelo Vaticano com uma cerimônia solene e com uma declaração que só o
Papa e os
bispos de todo o mundo unidos em concílio podem legitimar.
Tal declaração é
chamada de declaração de Magistério Infalível, sendo para a Igreja um dogma e
uma verdade definitiva e irrevogável.
Na
próxima publicação do Blog, traremos um ensaio com fotos do Memorial
Frei Galvão e da casa onde funciona o Museu Frei Galvão, em
Guaratinguetá-SP.
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