domingo, 1 de novembro de 2015

SÃO FREI GALVÃO: A TRAJETÓRIA DO PRIMEIRO SANTO BRASILEIRO

Cássio Ribeiro



Uma senhora sentada observa voltada para o santuário ao fundo...



As fitas de tecido sedoso e fino tremulam ao vento do entardecer de 25 de outubro de 2015, domingo passado, dia de Santo ou São Frei Galvão, o primeiro santo do Brasil







Cada uma das milhões de fitas coloridas que balançam ao vento representa um pedido feito ou uma graça alcançada por intercessão de São Frei Galvão






O pátio está cheio de barracas e há um grande palco montado para os shows todas as noites durante a festa dedicada ao Santo durante duas semanas. É o último dia da festa



Vamos ao Santuário de São Frei Galvão




Quando o visitante entra à igreja depara-se com o belo altar que chama a atenção, mas em algum momento,  dentro do santuário, a pessoa vira-se para trás a fim de olhar o outro lado, oposto ao do altar,... 



e depara-se com um quadro formado por milhares de fotos de pessoas que receberam graças e milagres de São Frei Galvão


 Em um canto do quadro, estão  apenas as fotos dos bebês gerados por gestantes que ouviram dos médicos que não poderiam ter filhos






No outro canto do santuário, são distribuídas as pílulas milagrosas de São Frei Galvão. Frei Galvão viveu num tempo, século 18, em que a medicina nem chegava às bases da sua realidade modernamente desenvolvida dos dias de hoje


Sem muitos médicos e medicina evoluída, restava a busca da cura por meio da fé na intercessão de freis e padres, e foi aí que São Frei Galvão começou a ficar conhecido.



Uma jovem apresentava fortes dores renais, e Frei Galvão escreveu, em latim, a seguinte oração num pequeno pedaço de papel: “Após o parto, permaneceste virgem. Ó mãe de Deus, intercedei por nós!” A frase é um trecho do Ofício de Nossa Senhora. 



Frei Galvão então dobrou o papel no formato de uma espécie de pílula e deu à jovem, que já corria risco de morte. Os relatos históricos citam que a dor cessou e o cálculo renal foi expelido imediatamente.



Outro relato diz que uma mulher passava por um parto complicado e, ao receber a pílula dada por Santo Frei Galvão, a criança veio ao mundo sem nenhum problema, e logo após a ingestão da pílula



Os casos das pílulas se propagaram e Frei Galvão passou a produzi-las junto com as freiras. As irmãs fazem as pílulas até hoje, e são distribuídas gratuitamente 300 unidades em média por dia atualmente.






Distribuídos no Santuário do Santo, o envelope, à esquerda, que vem com a oração de São Frei Galvão, à direita, e três pílulas, abaixo. As pílulas são fabricadas pelas irmãs com papel de arroz


Apesar da popularidade das pílulas, a orientação da Igreja e dos médicos é a de que as pessoas não substituam o tratamento medicinal tradicional por seu uso.
  



O belo cântico começa e, com ele, tem início a novena



A imagem de 8 metros e 1600 quilos, as fitas ...




Os fieis



Como essa realidade atual de devoção ao primeiro Santo  brasileiro começou?




O dia exato não pode ser precisado, mas o século é o 18, e o ano é 1739. A data exata nem é tão relevante, já que o ano em si já é marcante na história do Catolicismo brasileiro.




Nascia naquele ano, na então freguesia de Santo Antônio de Guaratinguetá, na capitania de São Paulo,  Antônio de Sant’Anna Galvão. Seu pai era o português Antônio Galvão de França, que atuava como capitão-mor de Guaratinguetá naquele tempo, e teve onze filhos com a senhora Isabel Leite de Barros. Frei Galvão foi o quarto fruto dos onze gerados por aquele casal.




Sua família era muito influente no cenário político e social, além de dedicar-se com afinco às atividades religiosas católicas daquele século 18. 


Maquete com a localização da Rua do Hospital e da Rua do Teatro formando a famosa esquina onde fica a casa em que o Santo nasceu e passou toda a infância . A construção original ruiu com o passar dos séculos ...




E foi reconstruída para abrigar um museu com pertences e móveis que foram do Santo. As antigas ruas do Hospital e do Teatro atualmente chamam-se rua Frei Galvão, à esquerda, e rua Frei Lucas, à direita




Como pode ser observado na maquete do Memorial Frei Galvão, as ruas formadoras da famosa esquina onde fica a casa de São Frei Galvão, no centro de Guaratinguetá, ficam bem próximas à Igreja Matriz de Santo Antônio, que na maquete tem a reprodução de sua antiga edificação anterior,  no século 18, ...



época em que Frei Galvão foi batizado e frequentava aquela paróquia



Seus pais enviaram o jovem Antônio, aos 13 anos, para o seminário jesuíta Colégio de Belém, localizado na Bahia, para o jovem estudar as áreas humanas.


Dona Isabel, sua mãe, mulher muito bondosa, faleceu aos 38 anos. Deixou o adolescente Antônio, de 16 anos, entregue aos estudos religiosos do convento. 


Frei Galvão ficou no Colégio de Belém dos 13 aos 18 anos, de 1752 a 1756, período em que desenvolveu seu intelecto nos campos do cristianismo e da sociologia. 


O jovem retirou-se em um convento jesuíta ainda tão novo porque queria tornar-se padre daquela ordem religiosa. Quem o demoveu da ideia foi seu pai, que era da Ordem Terceira de São Francisco, e aconselhou o jovem a torna-se franciscano em função da perseguição que os jesuítas sofriam pelo Marquês de Pombal, na época. 


Pombal foi secretário de estado do Reino de Portugal e, influenciado pela valorização da razão sobre a fé (o Iluminismo) perseguiu e expulsou os padres jesuítas de Portugal e suas colônias.


Com a saída da Ordem Jesuíta, Frei Galvão fixou sua nova morada em um convento franciscano,  a Congregação da Imaculada Conceição,  localizada em Taubaté.



Embora tenha passado toda a adolescência e início da juventude estudando em internatos católicos, sua decisão definitiva de abdicar da riqueza da família e torna-se um noviço ocorre aos 21 anos, em 1760, e o jovem passa a viver no Convento de São Boaventura de Macacu, em Itaboraí, no estado do Rio.


Como noviço, Galvão adota o nome religioso Antônio de Sant’Ana Galvão e passa a ser um exemplo de grande bondade e piedade para com as pessoas enfermas e necessitadas.


Em 1761 assume o voto de pregar a defesa do título de Imaculada da Virgem Maria. O voto, como filho, escravo e servo, era visto de forma polêmica naquela época.


Galvão é ordenado sacerdote em 1762 e segue para o Convento de São Francisco, em São Paulo. No lugar, continua a desenvolver seus estudos filosóficos e teológicos.


Em 1768, torna-se confessor, pregador e porteiro do Convento de São Francisco, funções muito importantes naquele tempo. 


Frei Galvão sempre se destaca por sua conduta religiosa e bondosa, tendo sido considerado o “Novo Esplendor do Convento” pela Câmara Municipal de São Paulo.


Em 1770, é convidado para integrar a então “Academia dos Felizes” (Academia Paulista de Letras) onde apresenta belíssimas composições de expressões do sentimento religioso.


Como confessor, ao atuar no recolhimento de Santa Teresa, conhece a freira penitente Irmã Helena Maria do Espírito Santo, que afirmava ter visões nas quais Jesus pedia para que fosse fundado um novo convento. 


Frei Galvão avaliou as mensagens junto com outros membros do clero e as mesmas foram reconhecidas como sobrenaturais e autênticas.


A obra durou 28 anos e, Frei Galvão, junto com escravos e voluntários, construiu o recolhimento chamado Convento Nossa Senhora  da Luz, em São Paulo, concluído e fundado oficialmente pelo Santo em 1774.

 Ferramentas utilizada nas construções



O convento servia de internato para meninas que queriam seguir a vida católica sem fazer votos. Era a Ordem das Irmãs Concepcionistas e Frei Galvão era o líder espiritual das irmãs e diretor do convento. 


Os estatutos escritos pelo Santo eram um guia para a disciplina religiosa na vida do internato.



Mosteiro da luz, construído pelo Santo, e  que atualmente abriga também o Museu de Arte Sacra de São Paulo, com um dos maiores e mais completos acervos de arte sacra do Brasil

A ligação de Frei Galvão com o Convento da Luz era tão importante e significativa desde a sua construção, que quando o Santo foi ordenado Mestre dos Noviços e enviado novamente para Macacu, no Rio, as irmãs escreveram para o Superior Provincial da Igreja o seguinte apelo: “nenhum dos habitantes desta cidade será capaz de suportar a ausência deste religioso por um único momento." Galvão acabou enviado de volta para São Paulo.


Pelo feito de ter construído, mesmo sem nunca ter cursado arquitetura, o hoje chamado Mosteiro da Luz, que é considerado atualmente Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, São Frei Galvão é considerado protetor dos engenheiros e arquitetos e Patrono da Construção Civil no Brasil, título que foi concedido pelo Papa João Paulo II, em 2000.


Altar andaime, no Memorial Frei Galvão, em homenagem a atividade de construtor e arquiteto desenvolvida por Frei Galvão. À direita na foto, observa-se uma réplica do desenho esboço original do Mosteito da Luz feito pelo Santo. O CREA (Conselho  Regional de Arquitetura) concedeu ao Santo um diploma de arquiteto, que se encontra em um quadro no Mosteiro da Luz, na capital paulista.




É provável que toda essa destreza em arquitetura e construção  demonstrada por Frei Galvão, além de ser um dom divino dado ao Santo, tenha sido adquirida nos tempos de sua juventude, quando o jovem Galvão estudou no internato Jesuíta na Bahia



Os padres Jesuítas sempre foram exímios arquitetos e construtores desde o início da colonização portuguesa no Brasil, como se observa nas, ainda de pé, ruínas de  São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul. Construídas pelos jesuítas a partir de 1687, o padrão arquitetônico das ruínas até lembra o estilo da fachada do Mosteiro da Luz.


Já bem idoso, São Frei Galvão recebeu permissão para ficar no convento que ajudou a criar e construir. Lá passou a viver em um pequeno quarto humilde. Faleceu no convento mesmo, em 23 de dezembro de 1822. Está sepultado lá também, onde seu túmulo é muito procurado por fieis que peregrinam até o local para agradecerem graças e milagres alcançados.


Durante o velório e o sepultamento de Frei Galvão, sua fama de santo já era conhecida pelo Brasil. As pessoas foram-lhe tirando partes da batina até  a mesma ficar na altura dos joelhos.


Como o Santo possuía apenas uma batina franciscana, em função do voto de pobreza, vestiram-lhe outro hábito de outro frade, hábito esse que também ficou curto da mesma forma, pelo fato das pessoas presentes no velório tirarem-lhe pedaços.


A primeira lápide de seu túmulo também foi levada aos poucos. Era comum os fieis colocarem pedras e fragmentos da lápide em copos d’água para o tratamento de enfermos.


Alguns fenômenos sobrenaturais sempre foram atribuídos a São Frei Galvão como: levitação, premonição e telepatia. Também são bem conhecidos e famosos os casos de bilocação na vida de São Frei Galvão.


Há relatos de que o Santo estaria presente em  lugares diversos cuidado de pessoas muito doentes e debilitadas ao mesmo tempo.


A canonização de um Santo se dá depois da comprovação médica e científica de pelo menos dois milagres.



O primeiro reconhecimento foi a cura de Daniella Cristina da Silva, em 1990, então com 4 anos. A menina, após ingerir a pílula de Frei Galvão, tornou-se sã de uma hepatite já citada pelos médicos como impossível de ser curada. Veio a comprovação do primeiro milagre e a beatificação.

A grande idealizadora da beatificação, irmã Célia Cadorin, recebe a bênção do Papa João Paulo II durante a beatificação de Frei Galvão, em 25 de outubro de 1998



Na beatificação, o Papa declara alguém beato ou bem-aventurado, e isso passa a ser considerado um ensinamento oficial da Igreja com relação ao beatificado. Representa que a pessoa viveu as virtudes e os dogmas cristãos de um jeito heroico ou como um mártir.


O segundo milagre reconhecido ocorreu em 1999. Sandra Grossi de Almeida possuía uma má formação uterina que a medicina afirmava tornar impossível que ela gerasse um feto em seu útero além dos 4 meses. Sandra tomou uma das pílulas de São Frei Galvão e deu à luz ao menino Enzo.







Com os dois milagres comprovados, veio a canonização e Santo Frei Galvão passou a ser o primeiro Santo brasileiro. Foi em 11 de maio 2007, durante a visita do Papa Bento 16 ao Brasil. 


A cerimônia, realizada no aeroporto Campo de Marte, em São Paulo, durou cerca de duas horas e foi assistida por oitocentas mil pessoas aproximadamente, segundo dados oficiais.


Quando o reconhecimento de Santo ocorre em relação a uma pessoa, isso é feito pelo Vaticano com uma cerimônia solene e com uma declaração que só o Papa e os bispos de todo o mundo unidos em concílio podem legitimar. 


Tal declaração é chamada de declaração de Magistério Infalível, sendo para a Igreja um dogma e uma verdade definitiva e irrevogável.

 Na próxima publicação do Blog, traremos um ensaio com fotos do Memorial Frei Galvão e da casa onde funciona o Museu Frei Galvão, em Guaratinguetá-SP.

Nenhum comentário:

Postar um comentário