segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL E O NATAL NAS TRINCHEIRAS: O DIA EM QUE A GUERRA PAROU PARA A CELEBRAÇÃO DO NASCIMENTO DE CRISTO

Cássio Ribeiro

"Ouvimos  os gritos de um homem que parecia sentir dores terríveis. Então pensamos: (era alguém agonizando), mas uma hora depois, tudo recomeçou, e não parava  na noite inteira, nem na noite seguinte.  O gritos cortavam o nosso coração, transformando os minutos  em horas e as horas em anos. Suplicávamos desesperadamente por sua morte. Ele resistiu por muito tempo. Se aquilo tivesse durado mais, teríamos ficado loucos", (trecho do diário de um soldado da infantaria alemã, combatente da Primeira Guerra Mundial -1914-1918)

Durante três dias e três noites o homem, que era um soldado inglês, permaneceu lá, estirado no chão. O tiro disparado por um soldado também inglês o silenciou depois de muito sofrimento.

Não havia como os ingleses socorrem-no, pois ele estava caído na chamada "Terra de Ninguém", que era a perigosa área que ficava entre as trincheiras das frentes inglesas de um lado e alemãs de outro, separadas em muitos trechos por apenas 70 metros de distância.

O combatente que teve sua agonia finalizada por um companheiro seu inglês foi  o soldado número 177.413 a morrer na guerra até aquele momento, apenas do lado  inglês.

Mas como o conflito que sacrificou o agonizante soldado inglês entre as trincheiras começou?



Pegando carona na industrialização por meio da invenção das máquinas a vapor e da criação das fábricas,  onde começava a despontar um sistema em que uma minoria de patrões começava a explorar uma grande maioria de trabalhadores geradores de lucros para os primeiros,  o século 20 começava com uma divisão  das colônias na África e na Ásia exclusivamente entre a Inglaterra e a França, deixando a Alemanha e a Itália de fora.

As colônias dominadas pela Inglaterra e pela França possuíam fartura de matéria prima que alimentava as indústrias ao mesmo tempo que abrigavam uma grande população consumidora dos produtos prontos produzidos pelas indústrias daqueles países colonizadores.

A insatisfação da Alemanha e da Itália com essa partilha desigual que não  incluía as duas nações na divisão das colônias foi o principal motivo da Primeira Guerra Mundial.

Nesse cenário,  os países industrializados começaram a produzir armas em grande escala, a fim de se protegerem ou atacarem seus inimigos em um futuro próximo.

Havia também um clima de disputa muito intenso entre os dois países europeus mais poderosos e ricos daquela época (Alemanha e França), já que a França havia perdido, no final do século anterior (século 19), o território da Alsácia-Lorena para a Alemanha, na ocasião da Guerra Franco Prussiana.

Os franceses viviam em clima de rancor e revanche contra  a Alemanha, e estavam focados em uma possibilidade de recuperar a riquíssima região que lhes fora tomada.

Nesse contexto, não era necessário muito para o início de uma guerra mundial, e o estopim ou motivo aconteceu: um jovem sérvio (Gavrilo Princip) que integrava o grupo chamado "Mão Negra", e que era contrário à influência da Áustria-Hungria na região Sérvia dos Balcãs, assassinou o príncipe herdeiro do império Austro-Húngaro, Francisco Ferdinando, quando o nobre visitava  Seravejo (capital da Bosni-Herzegovina).

Francisco Ferdinando, à esquerda, e o homem que o matou, Gavrilo Princip, à direita. Para o Sérvio, a visita de Ferdinando à Seravejo era uma provocação. O episódio foi o que faltava para o início da Primeira Guerra Mundial.
  

Sendo assim, em 28 de julho de 1914, a  Áustria-Hungria declara Guerra à Servia.  A  Alemanha, com etnia, língua e cultura geral iguais as da Áustria, apoiou o lado Austro-Húngaro junto com a Itália, que era sua grande aliada. Formava-se assim a Tríplice Aliança.

Do outro lado, a  Sérvia foi apoiada pela  França, Inglaterra e Rússia (A chamada Tríplice Entende). Pronto, tinha assim início a Primeira Guerra Mundial.

A Primeira Guerra Mundial, conhecida também como a "Grande Guerra", durou quatro anos (1914-1918), mas ceifou 20 milhões de vidas humanas; uma média de 417 mil mortos por mês, ou cerca de 14500 soldados por dia aproximadamente. 

Difícil acreditar que essa violenta guerra tenha parado durante o Natal de 1914, e que ambos os lados tenham, em algumas regiões das frentes de batalha,  se confraternizado e jogado futebol como amigos durante a folga de um fim de semana. Trata-se do chamado Natal nas Trincheiras.


Foi há bastante tempo, mas é até os dias de hoje um dos acontecimentos mais marcantes e curiosos da história mundial em todos os tempos.

Do dia 28 de julho até a segunda metade de dezembro de 1914 passaram-se quase 5 meses. A guerra de cavalaria inicial, com investidas rápidas, não deu uma vitória decisiva e nem definiu a guerra para nenhum dos lados. Sendo assim, a guerra sobre cavalos deu lugar aos combates de trincheiras.

Nas guerra de trincheiras, o impasse era ainda maior. Dois enormes exércitos com cerca de 1 milhão de soldados cada enfrentavam-se frente a frente nas trincheiras e se matavam dia após dia, porém a indefinição do que viria a acontecer com o destino da batalha continuava.


Os soldados ficavam centenas de dias entrincheirados lutando pela conquista de pequenas porções do terreno na chamada "Terra de Ninguém", que era o espaço de tereno entre as duas linhas de frente inimigas localizadas em trincheiras. "A Terra de Ninguém"  variava em média entre cerca de  70 metros a 1 quilômetro de extensão.


Era uma guerra de espera. Ficava-se a maior parte do tempo abaixado e se sabia que, de cada lado, atiradores esperavam seus inimigos do lado oposto erguerem a cabeça, numa possível distração, para abatê-los.



 O tormento da guerra e da vida nas trincheiras levava muitos soldados à  loucura. Muitos optavam por se ferirem a si mesmos para serem levados de volta para casa, porém, se a farsa fosse descoberta, o combatente era levado ao fuzilamento; muitos arriscavam. Já outros mais radicais optavam por levantarem e saírem correndo pela região entre as trincheiras para serem abatidos pelos atiradores inimigos.



Corpos em decomposição eram enterrados em covas rasas próximo às trincheiras, ....


e atraíam roedores que traziam doenças e se reproduziam sem controle na região dos combates. As ratazanas roíam corpos de combatentes feridos e roubavam comida dos bolsos dos soldados nas trincheiras. Com homens aglomerados e vivendo na mais extrema falta de higiene, piolhos espalhavam a febre das trincheiras e mais de 10% dos soldados contraíram a doença


Na Primeira Guerra mundial, usou-se pela primeira vez novas tecnologias de guerra, como tanques e aviões. Outra "novidade"  foi o uso de armas químicas, como o gás de cloro, que matou cerca de 91 mil soldados  por asfixia



No meio de tanto horror, algo inusitado e mágico ocorreria. Era véspera do Natal de 1914:

O trecho do relato encontrado no diário de um soldado inglês dizia: "como é diferente esse Natal. A essa hora, meu pai estava preparando o ponche, com uma antiga receita de família, que ficava guardada dentro da Bíblia. À essa hora, já estaríamos ansiosos para brindar a ocasião, conferindo o resultado do trabalho do meu pai. Em vez disso, aqui estou eu em Flandres, atolado em um campo enlameado."

De  repente, um capitão inglês ouviu  uma voz com sotaque alemão vindo da trincheira inimiga que dizia: “Não atire depois da meia noite e nós também não o faremos”, e, em seguida: “Se você for inglês, saia e converse com a gente, nós não vamos disparar”.

Trecho de diário com relato de outro soldado inglês:  "Vozes graves e ternas, com sotaque alemão, começaram a surgir e serem ouvidas em meio à neblina gelada. Aquilo era tão estranho, como se por meio de um sonho, tivéssemos ido parar em um outro mundo. "Feliz Natal", gritavam agora os soldados dos dois lados (inglês e alemão). Ambos os lados passaram a noite gritando saudações natalinas no escuro por toda a noite." 


Mais um trecho de diário de outro soldado inglês:“Alemães gritaram para nós e nos pediram para jogar futebol com eles, e também para não disparar e eles iriam fazer o mesmo. Às 2h (do dia 25 de dezembro, NATAL) uma banda alemã passou ao longo de suas trincheiras tocando ‘Home Sweet Home’ e ‘God Save the King’, que soou grandioso e fez todo mundo pensar nas nossas casas."


Com o dia ainda escuro e já perto do amanhecer, alguns soldados ingleses arriscaram levantar suas cabeças e olhar na direção da terra de ninguém. Alguns alemães levantaram lanternas acima do fosso das trincheiras. Se não fossem disparados tiros, entenderiam tratar-se de um sinal de paz a interrupção da guerra.  Nenhum tiro foi disparado e um alemão gritou: "Nós bom, nós não atirar!"

Num ato de extrema coragem, soldados de ambos os lados foram uns ao encontro dos outros, como que para fazer uma visita à trincheira inimiga, ou simplesmente encontravam-se para se abraçarem bem no meio da Terra de Ninguém.


Recebiam-se uns aos outros não com fogos de rajada de metralhadora, mas sim com  fogo de charutos e cigarros acesos que  eram oferecidos como presentes de Natal naquele momento




Os presentes oferecidos simultaneamente dos dois lados, além de cigarros, foram também alimentos como pão preto, biscoitos, bolachas e presunto. Os soldados também se presentearam com bebidas, que incluíam barris de cerveja, garrafas de vinho e conhaque. Abraçavam-se e mostravam uns aos outros fotografias de seus entes queridos que estavam em seus lares.


O cenário era o de uma grande festa de Natal em diversos trechos da linha ocidental indicada pela seta preta no mapa. As trincheiras da linha ocidental iam desde o Mar do Norte até a fronteira com a Suíça, estendendo-se por aproximadamente mil quilômetros.




No meio da grande festa, que tomou o lugar da Grande Guerra, traves foram improvisadas e partidas de futebol com times de ambos lados da guerra foram disputadas em diversos pontos com bolas improvisadas



O contraste marcante entre duas imagens da Primeira Guerra Mundial: nesta primeira, soldados ingleses abaixados na trincheira durante os combates, ...



e soldados abaixados assistindo a uma partida de futebol durante a trégua do Natal de 1914

Mais um trecho de diário inglês: "Os alemães eram homens finos, limpos e bem vestidos. Eles nos deram bonés, crachás de capacete e uma caixa de charutos. Um deles afirmou que a guerra terminaria em três semanas, já que haviam derrotado a Rússia!" 

A interrupção da  guerra também possibilitou que  os dois lados pudessem recolher e sepultar seus mortos, o que era algo  de grande significado naquele momento, pois era horrível para um militar saber que os despojos de seus colegas de tropa estavam expostos em decomposição a céu aberto.

 Foi tudo maravilhosamente lindo, ... 




mas logo os combates foram retomados 

Quando os generais comandantes de ambos os lados souberam do acontecido, garantiram de seus gabinetes que nunca mais isso ocorreria novamente. Durante os próximos natais dos três anos seguintes pelos quais se estendeu a guerra (1915, 1916 e 1917) ...


Os bombardeios de artilharia foram intensificados de ambos os lados.

Em 1917, os Estados Unidos entraram na guerra ao lado dos seus aliados comerciais (Inglaterra e França). Esse acontecimento definiu o fim da guerra e marcou a derrota da Alemanha. A guerra terminou em 11 de novembro de 1918.

Os derrotados  tiveram que assinar o Tratado de Versalhes, sendo subjugados a  severas punições e restrições. A Alemanha perdeu territórios (região do corredor polonês e devolveu a Alsáscia-Lorena à França), e teve seu exército reduzido e controlado. Sua indústria de fabricação de armas também foi controlada. Também teve que pagar os prejuízos de seus inimigos na guerra.

A Alemanha arruinada na Primeira Guerra ressurgiria 21 anos depois, em 1939, no início da Segunda Guerra Mundial, com a ascensão do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (o Partido Nazista) sob a liderança de Adolf Hitler, mas essa é uma outra história para outra postagem.

A trégua do Natal de 1914 nunca mais se repetiu, pois marcou o fim de uma era na qual os soldados não tinham um sentimento de combate insano, já que sabiam que lutavam e se matavam em uma guerra motivada por interesses  econômicos de nações recém-industrializadas.

Os soldados se viam como peões em um  jogo que não tinha sentido humano, e ambos os lados das tropas não se odiavam.

Não era óbvio se matarem pelo controle de colônias na África e na Ásia que eles nem conheciam.  Para muitos, a  Grande Guerra no Natal de 1914 era um conflito sem sentido, um desperdício, algo estranho. 


No Museu Imperial da Guerra, em Londres, historiadores como Alan Wakefield dizem que a amargura e o ódio ainda não tinham tomado conta de ninguém: “A guerra ainda não tinha ficado, como se diz, tão suja nessa fase”, disse Wakefield. “Foi em 1915, na verdade, que chegaram coisas como gás venenoso. Dirigíveis Zeppelin bombardearam Londres, alemães afundaram o navio Lusitânia com vítimas civis. E a máquina de propaganda ainda não se alimentava com isso e criava esse tipo de ódio entre as duas forças”.


A paz do Natal de 1914 também é  definida como o último fato ocorrido na história mundial sob a influência  romântica do século 19. O acontecimento final de uma era que contava com soldados "cavalheiros" e galantes que podiam ver seus adversários de guerra frente a frente enquanto lutavam. Nas guerras posteriores, os soldados eram recrutas sem nenhuma concepção de tradição militar. 

As guerras que viriam depois passaram a ser marcadas pelo lançamento de exércitos de milhões sobre exércitos de milhões, nos chamados combates relâmpagos 

 O contraste entre os combates da Primeira Guerra Mundial e sua interrupção no Natal de 1914, deixou claro que nada e nenhum interesse pode substituir a paz, e que ...

 ao fim de toda luta ou guerra, todos perdem



Família Real Inglesa durante homenagem às vítimas da Primeira Guerra Mundial, em 2014, no centenário do início da "Grande Guerra" 


A música  "All Together Now " (Todos Juntos  Novamente) abaixo, que foi lançada em 1990 pela banda inglesa The Farm no disco Spartacus, é inspirada na trégua de Natal ou Natal nas Trincheiras  de 1914.




Este Blog agradece à BBC de Londres por todo o material de pesquisa gentilmente cedido

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