domingo, 15 de julho de 2012

SILVEIRAS: OLHARES DA CULTURA DO VALE DO PARAÍBA PAULISTA




Por Renata Lopes


Uma das coisas mais bacanas de escrever é que os pensamentos sempre saem do controle. A gente programa algo, mas as idéias vão fluindo e mudando os rumos dos pensamentos. 



Para mim não existe nada mais rock’n roll do que uma paisagem bucólica, e eu digo isso porque quem já tentou ouvir o silêncio olhando uma paisagem de montanhas ora azuis, ora verdes esmeralda envoltas  pelo céu azul, sabe disso. Mesmo quem não tem alma de poeta sintetiza algum pensamento ou cria algum verso, mesmo que inconscientemente.

Digo isso por me lembrar de uma paisagem aqui mesmo no Vale do Paraíba Paulista, numa cidadezinha pequena e colonial. Preciso apresentar-lhes esse visual que arrepia e nos inspira a reverenciarmos o Criador.





Conheço algumas pessoas na cidade de Silveiras-SP e tive a oportunidade de ver e sentir o cheiro das montanhas de lá. Vou dividi-las com vocês.



Silveiras está localizada na rodovia dos Tropeiros SP-068 (antiga estrada SP - RJ antes da construção da BR 116 Rodovia Presidente Dutra).


Localização do município de Silveiras dentro do estado de São Paulo, próximo à divisa com o RJ, a direita, e o sul de Minas Gerais, acima. Para chegar, o visitante deve pegar os acessos existentes a partir da BR 116 Rodovia Presidente Dutra, que liga SP ao RJ

O povoado inicial surgiu a partir de um rancho de tropeiros da família Silveira (daí o nome), no período de expansão do café no Século 19 (1801- 1900). 

Foi elevada a vila em 1842, e a cidade em 1864. Teve notável participação na Revolução Liberal, em 1842, e na Revolução Constitucionalista de 1932. Nos morros da cidade ainda pode- se ver sinais das trincheiras usadas na referidas revoluções.

Além do valor histórico, Silveiras também conta com uma natureza encantadora, com lindas cachoeiras, e com o clima das montanhas da Serra da Bocaina. O município foi o primeiro do Estado de São Paulo a se transformar em Área de Proteção Ambiental (APA).


 Vista panorâmica de Silveiras, com a torre da igreja Matriz ao centro

 
Na Trilha da Independência, que foi percorrida por Dom Pedro II rumo às margens do Rio Ipiranga em 1822, o turista pode conhecer as trincheiras das revoluções de1842 e 1932, além da cadeia onde ficou preso Euclides da Cunha.


 Algumas outras atrações da Cidade, além da própria estrada dos Tropeiros, são a Praça central, a Estátua Monumento aos Tropeiros, o antigo Rancho dos Tropeiros, o Tropeirão (praça de esportes) e a própria Fundação Nacional do Tropeirismo.


Estátua Monumento aos Tropeiros

 Foto Roberto Seba
Os tropeiros eram o equivalente aos caminhoneiros de hoje em dia, só que sem caminhão e a pé. As mercadorias eram transportadas por mulas e os tropeiros seguiam as mesmas em forma de tropa (daí o nome) percorrendo estreitas trilhas e chegavam a andar dezenas de quilômetros por dia, por isso suas refeições eram bem pesadas e gordurosas, ricas em derivados do abate de suínos e bovinos.


O Parque Nacional da Bocaina, com várias cachoeiras e trilhas, começa na região na divisa entre Silveiras e a também paulista cidade de Cunha.Vale a pena passear a pé pela antiga trilha de tropeiros, conhecendo a Cachoeira do Ronco D'Água, no bairro do Bom Jesus. A 8 quilômetros do centro de Silveiras, em meio a tanta natureza e sapucaias centenárias, o passeio é imperdível.


 Cachoeira Ronco D'água
   

 Vista com a Pedra Casada a esquerda


Já a ida ao Bairro dos Macacos, por meio de um percurso com 25 quilômetros de estrada asfaltada e 6 quilômetros de estrada de terra, leva o turista a 2.050 metros de altitude, e é possível avistar do alto uma grande parte do Vale do Paraíba Paulista. O local é rico em plantações de ervas medicinais, além do parque da cascata com cachoeira, tanque, mata atlântica original preservada e área para camping.




 Banhistas se divertem em cachoeira de Silveiras. É importante o turista tomar cuidado e observar a formação de nuvens formadoras de tempestades no alto da serra próximo às nascentes, pois as formações das chamadas "cabeças" ou "trombas" d'água liberam violentas e perigosas enxurradas repentinas no curso dos rios e das cachoeiras



Curiosidade: a farofa de formiga içá, que em outras regiões do Brasil é popularmente conhecida como Tanajura ou Saúva, era uma das grandes paixões gastronômicas do consagrado escritor de Taubaté, Monteiro Lobato, que definia tal farofa como uma refinada iguaria, ou um verdadeiro "Caviar do Vale do Paraíba Paulista".



O hábito de comer a içá, saúva ou tanajura, mesmo não sendo mais praticado em muitas regiões do Brasil já há algumas décadas, ...

foi herdado da cultura dos índios nativos que vivian por aqui antes da chegada dos portugueses 

Entre outubro e novembro, quando surgem os primeiros sinais de chuva, muitos moradores da pequena Silveiras ficam de olho no céu e de ouvidos ligados nos trovões:“é nesta época que Tupã fica enfurecido e, quando se iniciam as trovoadas, as ‘panelas’ de formigas estremecem e começam a estourar. É sinal de que chegou a temporada da caça às içás, as fêmeas da formiga saúva, também conhecidas como bitu ou içá-bitu”, explica o sociólogo e produtor rural Ocílio José Ferraz, proprietário da Fazenda do Tropeiro.

 Ocílio Ferraz, um símbolo vivo da cidade de Silveiras


Com a chegada da temporada da içá, a cidade e o campo viram festa e os morros ficam cheios de crianças, homens e mulheres, numa alegria sem fim, com baldes e latas em busca da “formiga voadora”. Além de divertida, a caça tornou-se marca registrada da cidade. Nesta época do ano, as içás deixam o fomigueiro para que , num vôo mortal só para o macho como também ocorre com as abelhas, acasalar-se e dar origem a uma nova colônia.

 Farofa de Içá torrada com bacon


Em Silveiras, a formiga içá é tão apreciada que ganhou até um festival gastronômico, que é realizado todo ano entre os meses de setembro e outubro. Recentemente, o principal prato da cidade foi destaque no jornal norte americano The New York, que enfatizou como as gerações lidam com o hábito de consumir as formigas, fonte natural de antibióticos e proteínas.


E como já dizia o pessoal do Movimento Barroco do Século 17: "Deus está é nos detalhes". Então façam as malas e boa viajem até Silveiras!


Natural de Lorena-SP e rockeira em essência, Renata Lopes é formada em História e Filosofia pela Universidade Salesiana de Lorena.

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