Por Renata Lopes
Uma
das coisas mais bacanas de escrever é que os pensamentos sempre saem do
controle. A gente programa algo, mas as idéias vão fluindo e mudando os
rumos dos pensamentos.
Para
mim não existe nada mais rock’n roll do que uma paisagem bucólica, e eu digo
isso porque quem já tentou ouvir o silêncio olhando uma paisagem de montanhas
ora azuis, ora verdes esmeralda envoltas pelo céu azul, sabe disso. Mesmo
quem não tem alma de poeta sintetiza algum pensamento ou cria algum verso,
mesmo que inconscientemente.
Digo
isso por me lembrar de uma paisagem aqui mesmo no Vale do Paraíba Paulista,
numa cidadezinha pequena e colonial. Preciso apresentar-lhes esse visual que
arrepia e nos inspira a reverenciarmos o Criador.
Conheço
algumas pessoas na cidade de Silveiras-SP e tive a oportunidade de ver e sentir
o cheiro das montanhas de lá. Vou dividi-las com vocês.
Silveiras está localizada na rodovia dos
Tropeiros SP-068 (antiga estrada SP - RJ antes da construção
da BR 116 Rodovia Presidente Dutra).
Localização do município de Silveiras dentro do estado de São Paulo, próximo à divisa com o RJ, a direita, e o sul de Minas Gerais, acima. Para chegar, o visitante deve pegar os acessos existentes a partir da BR 116 Rodovia Presidente Dutra, que liga SP ao RJ
O povoado inicial surgiu a partir de um rancho de
tropeiros da família Silveira (daí o nome), no período de expansão do café no Século 19
(1801- 1900).
Foi elevada a vila em 1842, e a cidade em 1864. Teve
notável participação na Revolução Liberal, em 1842, e na Revolução Constitucionalista
de 1932. Nos morros da cidade ainda pode- se ver sinais das trincheiras usadas na
referidas revoluções.
Além do valor histórico, Silveiras também conta com uma
natureza encantadora, com lindas cachoeiras, e com o clima das montanhas da
Serra da Bocaina. O município foi o primeiro do Estado de São Paulo a se
transformar em Área de Proteção Ambiental (APA).
Vista panorâmica de Silveiras, com a torre da igreja Matriz ao centro
Na Trilha da Independência, que foi percorrida por
Dom Pedro II rumo às margens do Rio Ipiranga em 1822, o turista pode conhecer
as trincheiras das revoluções de1842 e 1932, além da cadeia onde ficou preso Euclides
da Cunha.
Algumas outras atrações da Cidade, além da própria estrada dos
Tropeiros, são a Praça central, a Estátua Monumento aos Tropeiros, o
antigo Rancho dos Tropeiros, o Tropeirão (praça de esportes) e a própria Fundação
Nacional do Tropeirismo.
Estátua Monumento aos Tropeiros
Foto Roberto Seba
Os tropeiros eram o equivalente aos caminhoneiros de
hoje em dia, só que sem caminhão e a pé. As mercadorias eram transportadas por
mulas e os tropeiros seguiam as mesmas em forma de tropa (daí o nome) percorrendo
estreitas trilhas e chegavam a andar dezenas de quilômetros por dia, por isso
suas refeições eram bem pesadas e gordurosas, ricas em derivados do abate de suínos
e bovinos.
O Parque Nacional da Bocaina, com várias cachoeiras e
trilhas, começa na região na divisa entre Silveiras e a também paulista cidade
de Cunha.Vale a pena passear a pé pela antiga trilha de tropeiros, conhecendo a
Cachoeira do Ronco D'Água, no bairro do Bom Jesus. A 8 quilômetros do
centro de Silveiras, em meio a tanta natureza e sapucaias centenárias, o
passeio é imperdível.
Cachoeira Ronco D'água
Vista com a Pedra Casada a esquerda
Já a ida ao Bairro dos Macacos, por meio de um
percurso com 25
quilômetros de estrada asfaltada e 6 quilômetros de
estrada de terra, leva o turista a 2.050 metros de altitude, e é possível avistar
do alto uma grande parte do Vale do Paraíba Paulista. O local é rico em plantações
de ervas medicinais, além do parque da cascata com cachoeira, tanque, mata atlântica
original preservada e área para camping.
Banhistas se divertem em cachoeira de Silveiras. É importante o turista tomar cuidado e observar a formação de nuvens formadoras de tempestades no alto da serra próximo às nascentes, pois as formações das chamadas "cabeças" ou "trombas" d'água liberam violentas e perigosas enxurradas repentinas no curso dos rios e das cachoeiras
Curiosidade:
a farofa de formiga içá, que em outras regiões do Brasil é popularmente
conhecida como Tanajura ou Saúva, era uma das grandes paixões gastronômicas do consagrado
escritor de Taubaté, Monteiro Lobato, que definia tal farofa como uma
refinada iguaria, ou um verdadeiro "Caviar do Vale do Paraíba Paulista".
O hábito de comer a içá, saúva
ou tanajura, mesmo não sendo mais praticado em muitas regiões do Brasil já há
algumas décadas, ...
foi herdado da cultura dos índios nativos que vivian por aqui antes da chegada dos portugueses
Entre
outubro e novembro, quando surgem os primeiros sinais de chuva, muitos
moradores da pequena Silveiras ficam de olho no céu e de ouvidos ligados nos
trovões:“é nesta época que Tupã fica enfurecido e, quando se iniciam as
trovoadas, as ‘panelas’ de formigas estremecem e começam a estourar. É sinal de
que chegou a temporada da caça às içás, as fêmeas da formiga saúva, também conhecidas
como bitu ou içá-bitu”, explica o
sociólogo e produtor rural Ocílio José Ferraz, proprietário da Fazenda do
Tropeiro.
Ocílio Ferraz, um símbolo vivo da cidade de Silveiras
Com a chegada da temporada da içá, a cidade e o campo viram festa e os morros ficam cheios de crianças, homens e mulheres, numa alegria sem fim, com baldes e latas em busca da “formiga voadora”. Além de divertida, a caça tornou-se marca registrada da cidade. Nesta época do ano, as içás deixam o fomigueiro para que , num vôo mortal só para o macho como também ocorre com as abelhas, acasalar-se e dar origem a uma nova colônia.
Farofa de Içá torrada com bacon
Em Silveiras, a formiga içá é tão apreciada que
ganhou até um festival gastronômico, que é realizado todo ano entre os meses de
setembro e outubro. Recentemente, o principal prato da cidade foi destaque no
jornal norte americano The New York,
que enfatizou como as gerações lidam com o hábito de consumir as formigas,
fonte natural de antibióticos e proteínas.
E como já dizia o pessoal do Movimento Barroco do Século 17: "Deus está é nos detalhes". Então façam as malas e boa viajem até Silveiras!
Natural de Lorena-SP e rockeira em essência, Renata Lopes é formada em História e Filosofia pela Universidade Salesiana de Lorena.
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