sexta-feira, 13 de maio de 2011

UM DESTEMIDO BRASILEIRO CHAMADO PEPÊ


Por Cássio Ribeiro

Início da década de 70. Um grupo de jovens com cabelos compridos, quase sempre alvos de tão louros graças a combinação de sol e parafina, escorrega sobre as ondas da ponta do Arpoador, no Rio de Janeiro. Um píer erguido para facilitar a construção de um emissário submarino marcava o ponto de encontro daquela garotada pioneira do surf brasileiro que, no início, tanto despertava o preconceito e até atraía a repressão das autoridades da época.









Campeonato de surf no Píer de Ipanema na década de 70










Surfista naqueles primórdios era sinônimo de desocupado, e a sociedade não via os praticantes do esporte com bons olhos. Quando o clima agitava o mar e fazia massas d’água nada modestas desabarem entre as colunas do Píer do Arpoador, até mesmo os surfistas com mais tarimba preferiam assistir aquele espetáculo da natureza ao longe.








Surgia então um magro e franzino menino de 14 anos correndo por cima do Píer com sua prancha caseira de forma irregular embaixo do braço. Na impossibilidade de entrar remando no mar e chegar até o ponto onde as violentas ondas começavam a se formar, Pedro Paulo Guise Carneiro, o Pepê, saltava da ponta da ponte de atracação no mar revolto para logo em seguida, sozinho, escorregar em alta velocidade por dentro de bravios tubos de água, a alguns metros das rijas colunas do Píer.
















Pepê aos 14 anos, durante campeonato mirim de surf em Ubatuba SP








As principais marcas de Pepê sempre foram o destemor, o respeito à natureza e o culto ao corpo (sem o tão empregado sentido de malhação atual), pois Pepê cuidava do corpo naturalmente ao praticar o surf e a alimentação natural, balanceada e equilibrada. Essas características associadas promoveram uma trajetória brilhante e respeitada pelo mundo em várias modalidades dos chamados esportes radicais que Pepê praticou.






Aos 13 anos, em 1970, Pepê foi bi-campeão carioca mirim de hipismo. Aos 15, conquistou o campeonato júnior de surf na praia de Ipanema. Ainda aos 17, viajou para se arriscar nas perigosas ondas tubulares de Pipeline, no Havaí; ocasião em que não tomava conhecimento do tamanho e da periculosidade das massas d’água do arquipélago havaiano, e se lançava na primeira onda que aparecesse. Esse estilo arrojado de surfar fez os havaianos chamarem Pepê de “O Kamikaze”, apenas uma semana após o jovem brasileiro ter chegado ao Havaí.















Com os surfistas João Almeida, à esquerda, e George Prytman, ao fundo














De volta ao Brasil, em 1975, Pepê foi participar do 6º Festival Nacional de Surf, em Saquarema, sua primeira competição que reunia grandes nomes do surf. Resultado: o jovem Pepê, embalado pela temporada recente no Havaí, chegou na bateria final junto com nomes como Rico de Souza, Ricardo Bocão e Otávio Pacheco. Pepê não parou por ai, foi o único dos finalistas que conseguiu vencer o mar agitado daquele dia, e chegar até o ponto de formação das ondas, garantindo a exclusividade de deleite no interior de violentos tubos aquáticos e o título do evento.








O feito de Saquarema rendeu a Pepê um convite para participar do Pipe Masters de 1976, que reunia os 18 melhores surfistas do mundo em um torneio no Havaí. O evento dividia os competidores em 3 grupos de 6, sendo que os dois melhores de cada grupo se classificavam para a grande final, e Pepê estava lá, pois foi o 2º melhor de seu grupo. Na final, o surfista brasileiro ficou em 6º (a melhor colocação de um brasileiro em toda a história do surf), pois pegou uma onda a menos que os outros 5 surfistas participantes da final.













Pepê tranqüilo dentro de um tubo em Pipeline, Havaí











Pioneiro na tendência dos sanduíches naturais













Em 1979, Pepê resolveu mudar de esporte, mas manteve o mesmo estilo arrojado que o consagrou como um dos 20 melhores surfistas do mundo daqueles tempos. O vôo livre passou a ser a nova paixão de Pepê, que agora marcava presença diária na praia do Pepino, em São Conrado, onde as asas-delta pousavam e ainda pousam após os saltos da rampa da Pedra Bonita, que fica ao lado da famosa Pedra da Gávea.






Nessa época, baseado na experiência pela própria prática da alimentação natural, Pepê lançou uma moda gastronômica que se tornaria mania da geração saúde do início dos anos 80. Sua barraca de sanduíches naturais na praia do Pepino teria como campeã de vendas uma prática refeição que reunia pasta de frango, beterraba, cenoura, pepino, broto de alfafa, alface e pão integral.












A vida de empresário se alternava com as competições de vôo livre. Em poucos anos de prática com asa-delta, Pepê conquistou o inédito campeonato mundial de vôo livre para o Brasil , em 1981, no Japão. Em 1984, durante um campeonato em Governador Valadares MG, Pepê teve que fazer um pouso forçado devido a uma súbita falta de sustentação em sua asa-delta, e perdeu o baço e um rim. Apesar do acidente, Pepê continuou desafiando a morte em seus vôos destemidos.

Sobrevoando o RJ














Dez anos depois de ter conquistado o campeonato mundial de vôo livre no Japão, Pepê voltou ao país do Sol nascente para tentar o bicampeonato. Era 1991, e a prova final seria um vôo de 100 quilômetros a partir de Wakayama até Kushimoto. Pepê tinha começado o campeonato em 7º e já estava em 2º. O vento era forte e comprometia qualquer possibilidade de vôo seguro. O 1º colocado, o australiano Steve Blenkinsop, ainda cogitou o cancelamento da prova, mas Pepê não aceitou a hipótese; queria como sempre, voar em busca do título e do prêmio de 100 mil dólares oferecidos ao vencedor.









Pepê e o australiano saltaram seguidos por um japonês, que era o 3º colocado. As condições extremamente impróprias permitiram um deslocamento em vôo de apenas 17 quilômetros em 2 horas. Em condições normais, o mesmo tempo permitiria um vôo de 200 quilômetros.







De repente, os três competidores começaram a perder altitude muito rápido. Nosso eterno Menino do Píer, ou melhor, do Rio, chocou-se contra um paredão de rocha. Oito costelas quebradas, hemorragias internas e Pepê ainda gritou o nome dos filhos, João Pedro e Bianca, de 1 e 3 anos na ocasião, e o da esposa, Ana Carolina. O helicóptero de resgate chegou duas horas e meia depois, mas já era tarde. Pepê morreu como sempre viveu, desafiando o perigo. Em 1992, um trecho da praia da Barra da Tijuca e uma avenida no mesmo bairro carioca foram batizados com o seu nome.




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