domingo, 29 de maio de 2011

UM RAIO X DE JIM MORRISON E THE DOORS

Por Anderson Pedro


Jim Morrison era filho do almirante George Stephen Morrison e sua mulher Clara Clark Morrison, ambos funcionários da Marinha Americana. Um dos eventos mais importantes da vida de Jim Morrison vivido por ele aos 4 anos, e que muito influenciou sua personalidade posteriormente, aconteceu em 1947, durante uma viagem da família ao Novo México. Do carro, eles viram o atropelamento de um índio. Jim era criança e ficou muito impressionado com a cena. Mais tarde, daria depoimentos dizendo que, no momento do atropelamento, parecia que ele absorvia o sofrimento do índio atropelado, como se a alma entrasse no corpo dele.




Jim Morrison na infância e ...







Na adolescência





Os pais de Morrison afirmaram que tal atropelamento nunca aconteceu. Morrison dizia que ele ficara tão perturbado pelo caso que os seus pais lhe diziam que tinha sido um pesadelo, para o acalmar.

Em todo caso, tenha sido real ou imaginário, o incidente marcou-o profundamente, e ele fez repetidas referências ao trágico fato nas suas canções, poemas e entrevistas, como por exemplo nas músicas "Peace Frog" e "Ghost Song".


Durante alguns shows do The Doors, Morrison encenava um ritual indígena, de braços abertos e caminhando em circulo. Ele também apreciava a prática da religião do Xamaísmo.


Na juventude, Morrison tornou-se um descobridor interessado em explorar novos caminhos e sensações diferentes, e seguiu uma vida boêmia na Califórnia, frequentando a UCLA (Universidade de Cinema de Los Angeles), onde formou-se no curso de cinema.










A banda The Doors surgiu em 1965, quando dois antigos amigos e alunos da UCLA na ocasião , Jim Morrison e Ray Manzarek, se reencontraram casualmente em meio as aulas. Jim leu-lhe alguns poemas (entre os quais o famoso "Moonlight Drive") A partir deste encontro surgiria uma das bandas de rock mais míticas do século 20.

Para completar a banda, vieram o guitarrista Robby Krieger, e o baterista John Densmore, que conheciam Ray Manzarek das aulas de meditação.






O nome “The Doors” surgiu de uma inspiração poética de seu vocal e líder carismático, Jim Morrison, a partir de um trecho do poema de William Blake: "If the doors of perception were cleansed, every thing would appear to man as it is: infinite" (Se as portas da percepção fossem abertas, tudo apareceria como realmente é: infinito).

Em março de 1971, após todos os membros da banda terem decidido parar por algum tempo, Morrison mudou-se para Paris na companhia de sua namorada, Pamela Courson, com o propósito de se concentrar na escrita, mas sua estada em Paris durou pouco, pois em 3 de Julho de 1971, o mito Jim Morrison, de acordo com relatos misteriosos que variam entre ataque cardíaco e falência múltipla de orgãos, aparece morto na banheira de seu apartamento, aos 27 anos de idade. Há rumores de que a verdadeira causa da morte tenha sido overdose. Também existe uma suposta versão de que Jim na verdade não morreu, pelo menos em tal ocasião.


Leia matéria curiosa sobre mulher americana que afirma ter recebido visitas de Jim Morrison, no link http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2011/05/26/mulher-americana-diz-ter-sido-visitada-por-espirito-de-jim-morrison-924542757.asp















DISCOGRAFIA COMPLETA







O The Doors lançou nove álbuns de estúdio, sendo três destes após a morte de Jim Morrison, além de mais 14 relançamentos que chegaram às lojas a partir de 1983.
1967 – Strange Days
1968 – Waiting for the Sun
1969 – The Soft Parade
1970 – Morrison Hotel
1971 – L.A. Woman
1971 – Other Voices
1972 – Full Circle
1978 – An American Prayer
1980 - The Doors Greatest Hits
1983 - Alive She Cried
1985 - Classics
1985 - The Best Of The Doors
1987 - Live At The Hollywood Bowl
1991 - The Doors
1996 - The Doors Greatest Hits
1997 - The Doors Box Set
1999 - The Complete Studio Recordings
2000 - The Doors Tribute: Stoned Immaculate
2000 - Essential Rarities
2001 - Backstage and Dangerous:The Private Rehearsal
2001 - Live at Aquarius Theater: The second Performance
2001 - Live at Aquarius Theater:The first Performance
2003 - Legacy: The Absolute Best




Algumas músicas do The Doors foram usadas em filmes: "The end" em Apocalypse Now; "Knoflíkár", "Soul Kitchen" e "Love Her Madly" em Forrest Gump; "Break On Through (To The Other Side)" em Soldado Anônimo, entre algumas outras películas lançadas até hoje.














Anderson Pedro é jornalista carioca formado pela Universidade Estácio de Sá - RJ

domingo, 22 de maio de 2011

AS BEM DITAS ONDAS DE UMA CERTA MALDITA FLUMINENSE FM

Por Cássio Ribeiro


Barão Vermelho, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Kid Abelha e Lobão; esses e muitos outros representantes do rock brasileiro possuem algo em comum que marcou o início de suas carreiras nos idos dos primeiros anos da década de 1980. Todos eles foram lançados ao terem suas fitas K-7 demo tocadas por uma certa Rádio Fluminense FM, a Maldita de Niterói, no estado do Rio de Janeiro.

A Maldita foi antecedida por duas rádios de baixa potência existentes na década de 70; a Federal AM, do Grupo Bloch, e a Eldorado FM, chamada de Eldo Pop na época, e pertencente ao Sistema Globo de Rádio. As duas emissoras foram as primeiras representantes da cultura alternativa do rock no rádio brasileiro.

Em 1974, a Federal virou uma emissora AM popular, com o novo nome de Manchete AM. A Eldorado também mudou de estilo e nome em 1978, passando a ser chamada de 98 FM, ainda hoje uma emissora popular no RJ.

O jornalista Luiz Antônio Mello havia trabalhado na Federal AM e, já que o Grupo Fluminense de Comunicação (dono do jornal O Fluminense de Niterói) ensaiava a emissão das primeiras ondas de sua emissora FM no início da década de 80, Luiz Antônio, junto com o amigo e também jornalista Samuel Wainer Filho, apresentou o projeto de um programa chamado "Rock Alive" aos donos da emissora. Os dois ficaram surpresos ao receberem como resposta do Grupo Fluminense o aval para o controle total da Fluminense FM, tendo ambos a partir de então, a liberdade para fazerem o quisessem com a rádio.

A Fluminense FM, que estava sendo criada para ser uma rádio com perfil romântico, passou então por uma mudança literalmente radical: só mulheres na locução e nada de aceitar jabá (dinheiro das gravadoras para tocar músicas promocionais de um CD­, que na época eram discos de vinil). A mesma música nunca seria tocada 2 vezes no mesmo dia e as locutoras jamais falariam durante as músicas, que também não seriam atropeladas por vinhetas.

Sendo assim, às 6 horas da manhã do dia 1 de março de 1982, entrava no ar a Rádio Fluminense FM, a Maldita de Niterói, em 94,9 MHz. A programação apresentava a coletânea "Rock Voador", resultado da parceria entre a WEA e o Circo Voador, do RJ, responsável pelo lançamento de nomes como Celso Blues Boy e Kid Abelha. Outras atrações eram, além de consagrados nomes de peso do rock mundial, novas tendências da época como The Smiths, New Order, The Cure, U2 e veteranos não conhecidos como Joy Division e Dead Kennedys.






Galera da Maldita em 1982






Um show à parte na programação da Fluminense FM eram as fitas-demo dos até então desconhecidos Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Lobão, Picassos Falsos, Plebe Rude, Capital Inicial, Barão Vermelho e muitos outros.

Era a época de abertura política no Brasil, após quase duas décadas de uma ferrenha Ditadura Militar (1964 – 1985), que governara o país sob moldes de repressão, perseguição política e censura imposta aos veículos de comunicação até o final da década de 1970. A Maldita foi a mola precursora do fenômeno do rock brasileiro da década de 1980, que representou o grito de liberdade de toda uma geração, neta dos chamados Anos de Chumbo.

Mesmo com precária qualidade técnica, as fitas-demo tocadas na Fluminense FM apresentavam criatividade e improviso musical melhor que as das faixas dos LPs das mesmas bandas lançadas pelas grandes gravadoras posteriormente.

Quem girasse o botão do rádio, percorrendo o dial FM carioca naquela época, logo encontrava lá pelos 94,9 MHz o som inconfundível da programação da Maldita, além das vinhetas totalmente originais: "noventa e quatro vírgula nove; Fluminense FM, a estação do rock", seguido pelo som da corda de uma guitarra arrebentando (PIM).

A Maldita, que começou na 15ª colocação de audiência entre as 16 emissoras FM cariocas em 1982, já era a 3ª em 1985, graças a um time de locutoras no qual se destacavam Mylena Ciribelli (Que hoje apresenta o programa Esporte Fantástico na TV Record), e Mônika Venerábile, a Monikinha, consagrada radialista brasileira, atualmente nos 1280 Khz da Rádio Tupi AM carioca.







Mylena Ciribelli: voz inconfundível

Mylena no início da carreira como locutora rockeira da Maldita, à direita

Sentados no estúdio da Maldita, o jornalista e fundador Luiz Antônio Mello e a então jovem locutora Mônika Venerábile, no início da década de 80. Principais programas da Fluminense na época: "Overdrive" (rock em geral), "Contracapa" (rock nacional), "College Radio" (rock independente dos EUA e Reino Unido), " Hellradio" (grunge e rock barulhento da linha pós-punk), "Hard Rock" (rock pesado) e "Fluminense News" (Entrevistas e demos)

Monikinha atualmente é locutora da Rádio Tupi do RJ






O melhor momento da Maldita foi entre 1985 e 1989. Em fevereiro de 1990, o fundador Luiz Antônio Mello deixou a emissora. No mesmo ano, a Maldita perdeu o direito de transmissão do programa "Novas Tendências" para a Rádio Cidade, ficando sem seu tradicional propagador de novidades.

Sem nomes de peso para sustentar seu tradicional estilo rockeiro, a Maldita virou rádio pop em março de 1990, e passou a tocar nomes que nunca tinham frequentado sua programação antes: Dee-Lite, Paula Abdul, George Michael e Technotronic por exemplo. Nessa época decadente da Fluminense FM, um locutor chegou a comparar o grupo estilo “menudo” New Kids On The Block com os Beatles.

Um ano depois, em 1991, a Fluminense voltou a ser rock graças a muitos protestos de ouvintes contra a programação pop. Porém, os tempos áureos e originais do estilo livre que a consagrou como a autêntica Maldita tinham ficado para trás. A nova programação rock da emissora era baseada no repertório da MTV que, recém-chegada ao Brasil, dava destaque para bandas comerciais de sucesso na época, como Nirvana, Red Hot Chili Peppers, R.E.M e Guns N’ Roses.


Passando por dificuldades financeiras, sem publicidade e com baixos índices de audiência, a Fluminense FM foi vendida para a Rede Jovem Pan em 1994. Curiosamente, numa alusão aos 94,9 Mhz da freqüência da Maldita, a emissora encerrou suas transmissões à meia-noite do dia 30 de setembro (Mês 9), do ano de 1994. A última música tocada foi "The End", do primeiro LP do The Doors, de 1967.






Último formato usado para a divulgação da rádio em adesivos e camisetas, antes da Maldita virar franquia da Rede Jovem Pam, em 1994







A Rede Joven Pan deixou os 94,9 FM da emissora de Niterói em 2000. Um grupo de DJs cariocas assumiu a rádio, que passou a se chamar Jovem Rio.

Em 2001, a Fluminense AM 540 KHz ensaiou um regresso ao estilo da antiga Maldita FM e, em 2002, com o fracasso da Jovem Rio, a Fluminense voltou aos 94,9 MHz do dial FM carioca. Quando perguntado sobre a volta da Maldita, o fundador Luiz Antônio Mello disse: "Não acredito em volta de 'E o Vento Levou', 'Beatles', 'Led Zeppelin', 'Leonardo da Vinci', 'Carlos Lamarca', 'Renato Russo', e, obviamente, da 'Maldita'. Por que? Porque o tempo não pára, e como bem escreveu Nelsinho Motta (nada do que foi será/ de novo do jeito que já foi um dia)."

Após o retorno da Fluminense FM, o estilo rock durou muito pouco por falta de dinheiro e anunciantes. A Maldita foi definitivamente vendida para a Rede Band News em 2005.

Dois livros contam a história da Maldita Fluminense FM; são eles: "Rádio Fluminense FM – A porta de entrada do rock brasileiro nos anos 80", da jornalista Maria Estrella (Editora Outras Letras), e "A Onda Maldita – Como nasceu e quem assassinou a Fluminense FM", do jornalista e fundador Luiz Antônio Mello, que falou sobre o livro em entrevista:

"Nosso pequeno exército venceu preconceitos que existiam (e ainda existem) em torno do Rock autêntico, peitou o lixo vivo da Ditadura Militar infiltrado na abertura política, enfrentamos sacanagens, sabotagens, fomos além dos nossos limites. Mas faltava a estrutura comercial, a mesma que faltou a Raul Seixas, Van Gogh, Jimi Hendrix, Mozart, e tantas belas figuras que viveram e foram enterradas depauperadas, ingratamente duras. Ah, sim, existe o chamado "reconhecimento depois da morte", mas e daí? Numa das últimas conversas que tive com Raul Seixas ele disse: (cara, estou duro, bêbado...ninguém quer gravar minhas músicas...mas quando estou fazendo um show eu vejo a putada que me fecha as portas metida na multidão gritando meu nome. Eu fico puto, desolado, arrasado).

Por isso, reafirmo que essa é a última safra do livro "A Onda Maldita..." porque a rádio foi linda, foi maravilhosa, mas foi enterrada viva pela incompetência. Morreu burra, alienada, logo ela que foi berço da inteligência, da vanguarda dos anos 80. Não perguntem nada a mim pois creio ter respondido a tudo e a todos nesse livro. Perguntem quem foi a Maldita a Herbert Vianna, Bi, Barone, Dado Villa-Lobos, Lobão, Maria Juçá, Frejat, Dinho Ouro Preto, Luiz Carlos Maciel, Arthuer Dapieve, Tarik de Souza, Marcos Petrillo, Roberto Medina (a Maldita ajudou no repertório do Rock in Rio I), enfim, perguntem a quem viveu intensamente o Brasil de 1982 a 1985".



Abaixo, o leitor pode ouvir o áudio original do dia da inauguração da Maldita Fluminense FM, em 1982.



sexta-feira, 13 de maio de 2011

UM DESTEMIDO BRASILEIRO CHAMADO PEPÊ


Por Cássio Ribeiro

Início da década de 70. Um grupo de jovens com cabelos compridos, quase sempre alvos de tão louros graças a combinação de sol e parafina, escorrega sobre as ondas da ponta do Arpoador, no Rio de Janeiro. Um píer erguido para facilitar a construção de um emissário submarino marcava o ponto de encontro daquela garotada pioneira do surf brasileiro que, no início, tanto despertava o preconceito e até atraía a repressão das autoridades da época.









Campeonato de surf no Píer de Ipanema na década de 70










Surfista naqueles primórdios era sinônimo de desocupado, e a sociedade não via os praticantes do esporte com bons olhos. Quando o clima agitava o mar e fazia massas d’água nada modestas desabarem entre as colunas do Píer do Arpoador, até mesmo os surfistas com mais tarimba preferiam assistir aquele espetáculo da natureza ao longe.








Surgia então um magro e franzino menino de 14 anos correndo por cima do Píer com sua prancha caseira de forma irregular embaixo do braço. Na impossibilidade de entrar remando no mar e chegar até o ponto onde as violentas ondas começavam a se formar, Pedro Paulo Guise Carneiro, o Pepê, saltava da ponta da ponte de atracação no mar revolto para logo em seguida, sozinho, escorregar em alta velocidade por dentro de bravios tubos de água, a alguns metros das rijas colunas do Píer.
















Pepê aos 14 anos, durante campeonato mirim de surf em Ubatuba SP








As principais marcas de Pepê sempre foram o destemor, o respeito à natureza e o culto ao corpo (sem o tão empregado sentido de malhação atual), pois Pepê cuidava do corpo naturalmente ao praticar o surf e a alimentação natural, balanceada e equilibrada. Essas características associadas promoveram uma trajetória brilhante e respeitada pelo mundo em várias modalidades dos chamados esportes radicais que Pepê praticou.






Aos 13 anos, em 1970, Pepê foi bi-campeão carioca mirim de hipismo. Aos 15, conquistou o campeonato júnior de surf na praia de Ipanema. Ainda aos 17, viajou para se arriscar nas perigosas ondas tubulares de Pipeline, no Havaí; ocasião em que não tomava conhecimento do tamanho e da periculosidade das massas d’água do arquipélago havaiano, e se lançava na primeira onda que aparecesse. Esse estilo arrojado de surfar fez os havaianos chamarem Pepê de “O Kamikaze”, apenas uma semana após o jovem brasileiro ter chegado ao Havaí.















Com os surfistas João Almeida, à esquerda, e George Prytman, ao fundo














De volta ao Brasil, em 1975, Pepê foi participar do 6º Festival Nacional de Surf, em Saquarema, sua primeira competição que reunia grandes nomes do surf. Resultado: o jovem Pepê, embalado pela temporada recente no Havaí, chegou na bateria final junto com nomes como Rico de Souza, Ricardo Bocão e Otávio Pacheco. Pepê não parou por ai, foi o único dos finalistas que conseguiu vencer o mar agitado daquele dia, e chegar até o ponto de formação das ondas, garantindo a exclusividade de deleite no interior de violentos tubos aquáticos e o título do evento.








O feito de Saquarema rendeu a Pepê um convite para participar do Pipe Masters de 1976, que reunia os 18 melhores surfistas do mundo em um torneio no Havaí. O evento dividia os competidores em 3 grupos de 6, sendo que os dois melhores de cada grupo se classificavam para a grande final, e Pepê estava lá, pois foi o 2º melhor de seu grupo. Na final, o surfista brasileiro ficou em 6º (a melhor colocação de um brasileiro em toda a história do surf), pois pegou uma onda a menos que os outros 5 surfistas participantes da final.













Pepê tranqüilo dentro de um tubo em Pipeline, Havaí











Pioneiro na tendência dos sanduíches naturais













Em 1979, Pepê resolveu mudar de esporte, mas manteve o mesmo estilo arrojado que o consagrou como um dos 20 melhores surfistas do mundo daqueles tempos. O vôo livre passou a ser a nova paixão de Pepê, que agora marcava presença diária na praia do Pepino, em São Conrado, onde as asas-delta pousavam e ainda pousam após os saltos da rampa da Pedra Bonita, que fica ao lado da famosa Pedra da Gávea.






Nessa época, baseado na experiência pela própria prática da alimentação natural, Pepê lançou uma moda gastronômica que se tornaria mania da geração saúde do início dos anos 80. Sua barraca de sanduíches naturais na praia do Pepino teria como campeã de vendas uma prática refeição que reunia pasta de frango, beterraba, cenoura, pepino, broto de alfafa, alface e pão integral.












A vida de empresário se alternava com as competições de vôo livre. Em poucos anos de prática com asa-delta, Pepê conquistou o inédito campeonato mundial de vôo livre para o Brasil , em 1981, no Japão. Em 1984, durante um campeonato em Governador Valadares MG, Pepê teve que fazer um pouso forçado devido a uma súbita falta de sustentação em sua asa-delta, e perdeu o baço e um rim. Apesar do acidente, Pepê continuou desafiando a morte em seus vôos destemidos.

Sobrevoando o RJ














Dez anos depois de ter conquistado o campeonato mundial de vôo livre no Japão, Pepê voltou ao país do Sol nascente para tentar o bicampeonato. Era 1991, e a prova final seria um vôo de 100 quilômetros a partir de Wakayama até Kushimoto. Pepê tinha começado o campeonato em 7º e já estava em 2º. O vento era forte e comprometia qualquer possibilidade de vôo seguro. O 1º colocado, o australiano Steve Blenkinsop, ainda cogitou o cancelamento da prova, mas Pepê não aceitou a hipótese; queria como sempre, voar em busca do título e do prêmio de 100 mil dólares oferecidos ao vencedor.









Pepê e o australiano saltaram seguidos por um japonês, que era o 3º colocado. As condições extremamente impróprias permitiram um deslocamento em vôo de apenas 17 quilômetros em 2 horas. Em condições normais, o mesmo tempo permitiria um vôo de 200 quilômetros.







De repente, os três competidores começaram a perder altitude muito rápido. Nosso eterno Menino do Píer, ou melhor, do Rio, chocou-se contra um paredão de rocha. Oito costelas quebradas, hemorragias internas e Pepê ainda gritou o nome dos filhos, João Pedro e Bianca, de 1 e 3 anos na ocasião, e o da esposa, Ana Carolina. O helicóptero de resgate chegou duas horas e meia depois, mas já era tarde. Pepê morreu como sempre viveu, desafiando o perigo. Em 1992, um trecho da praia da Barra da Tijuca e uma avenida no mesmo bairro carioca foram batizados com o seu nome.




quinta-feira, 5 de maio de 2011

AQUECIMENTO PARA O ROCK IN RIO 4

Por Cássio Ribeiro


Já se vão 25 anos que um ousado projeto do empresário carioca Roberto Medina teve sua primeira edição realizada, em 1985. Duas décadas e meia depois, é tempo de comprar ingressos novamente, desta vez, para a quarta edição do Rock In Rio, que será realizada nos próximos dias 23, 24, 25 e 30 de setembro, e dias 01 e 02 de outubro.

Depois de colocar este Blog no ar, no último domingo dia 01 de maio, percebi que esta era a semana de venda dos ingressos, que terá inicio a partir de 00h00min do dia 07 de maio, sábado. Entrei em contato pela Internet com o jornalista carioca e grande amigo Anderson Pedro, a fim de que pudéssemos traçar os planos para podermos cobrir o evento da melhor forma.


Morarmos direto na cidade do Rock durante os seis dias de evento foi a primeira idéia. Logo foi iniciada a lista necessária: barraca de 3 lugares, credencial de acesso ao centro de imprensa, alguns equipamentos indispensáveis etc. Acho que não nos esquecemos de nada, só mesmo do dinheiro, mas como esse não temos sobrando, lá vamos nós com a cara e a coragem.












Apesar de todo o frenesy de poder participar de um Rock in Rio pela primeira vez como jornalista, confesso que, ao olhar detalhadamente a agenda dos dias com as bandas confirmadas, perdi um pouco daquela animação que tomara conta de nós ao fazermos os planos iniciais.

Percebi que esta edição do Rock in Rio, assim como aquela de 2001, não será um evento exclusivamente do rock, mas na verdade um grande festival de música que terá entre suas mais variadas atrações, também, bandas de rock. Bandas de rock de respeito por sinal. Nomes como Metálica, Coldplay, Detonautas, Guns n’ Roses, Pitty, Red Hot Chili Peppers, Skunk, Frejat, System Of a Down, Lenny Kravitz, Capital Inicial, NX Zero e uma “rockemente” suculenta abertura conjunta do evento feita por Paralamas e Titãs no primeiro dia.

O prezado leitor do Blog pode se perguntar: “Como ficar desanimado depois de uma expressiva relação de nomes como esta?” Confesso até que possa estar sendo radical nessa análise, mas vi certos nomes de não rockeiros que sempre fazem show o ano todo e jamais falam em rock ou lembram que rock existe, durante suas apresentações.











Quem são? Basta o leitor dar uma olhada com calma na relação completa das atrações já confirmadas para o evento em www.rockinrio.com.br/pt/lineup/ e poderá tirar suas próprias conclusões. Temo que aconteça com alguns deles o mesmo que aconteceu com Carlinhos Brown em 2001, na terceira edição do evento.
Era 14 de janeiro de 2001 e eu estava lá. Pude ver com meus próprios olhos uma multidão rockeira enfurecida atirando garrafas de plástico de 200 ml vazias de uma certa marca de água mineral que patrocinava o evento, e eram vendidas por um preço absurdo por sinal. As garrafas voavam aos montes na direção do cantor baiano que, de braços abertos e peito estufado, recebia uma chuva de garrafas vazias atiradas sobre seu corpo e dizia frases do tipo: “Nada me atinge!”, “Eu sou da paz!”, “Não jogo nada em ninguém!” , “Eu jogo amor!”, “Eles querem rock...” . Obvio né, o que mais se poderia esperar em um Rock in Rio.

Depois que Brown se retirou, o Palco Mundo, que era o principal daquela edição do evento, tinha um novo piso, já que estava quase todo revestido pela munição de garrafas plásticas usadas no ataque que começou depois que Carlinhos Brown, durante a apresentação da música "Namorada", já executava sua batucada instrumental sem cantar por alguns longos minutos. Ainda hoje encontro pessoas que, ao me ouvirem falar sobre o fato, dizem: “uma daquelas garrafinhas atiradas era minha.”
Veja o momento em que Carlinhos Brown recebeu uma chuva de garrafas plásticas em http://www.youtube.com/watch?v=VxhOaUGhous e confira uma versão do vídeo com a música Água Mineral em http://www.youtube.com/watch?v=VnWJMRdgAd4









A culpa não foi de Carlinhos Brown, e muito menos da multidão, pois como dizia o saudoso jornalista e escritor Nelson Rodrigues: "A multidão é burra." O verdadeiro culpado foi quem escalou o cantor baiano para se apresentar diante de um público de 200 mil pessoas composto por fãs de Pato Fu, Oasis, Ira!, Ultraje à Rigor e Guns n’ Roses, que era a tão esperada última atração daquela noite.

Se olharmos pela ótica do empresário Roberto Medina, até podemos entender que investir na realização de um evento como o Rock in Rio merece retorno financeiro claro. Então se faz até lógico atacar em todas as frentes, estimular a presença de outros públicos e, assim, vender mais ingressos.

Mas falando de forma rockeiramente honesta, não concordo. E se alguém quiser discordar de mim ou do Roberto Medina fique à vontade para comentar ali embaixo. Vale lembrar que este Blog, embora com linha editorial voltada para o público do rock, é um espaço “101%” democrático.

Outra questão que não pode deixar de ser levantada aqui neste primeiro aquecimento, é o fato de eu já ter ouvido protesto de alguns rockeiros quanto à presença do NX Zero, que abrirá o segundo dia do evento, 24 de setembro, no palco principal.

Toda expressão cultural é dinâmica, sabe por quê? Porque as gerações se sucedem. Cada comportamento é resultado do momento cultural da realidade que nos cerca. Uma geração anterior sempre reluta um pouco antes de aceitar as novas formas de expressão cultural e social das gerações que vem depois. Aconteceu isso com aquela galera que estava acostumada a ouvir Led Zeppelin, The Doors, Beatles, Supertramp, Jamis Joplin etc, expressões do rock que fizeram e fazem sucesso desde as décadas de 60 e 70. Não foi num primeiro momento que esse público acostumado com os clássicos ouviu e aceitou o trabalho da nova geração da década de 80 do rock nacional.

Só aceitando o novo, a renovação, podemos ter sempre a certeza de que o rock nunca vai acabar, assim como novos filhos em uma família garantem a sucessão permanente das gerações, que o diga a Família Real Inglesa com Elisabeth II, Charles e William com sua lindíssima e graciosa princesa. Sendo assim eu peço, para o bem e a saudável posteridade do rock, deixem o NX Zero, o colorido Restart e até os pobres dos emos em paz.

A venda de ingressos para o Rock in Rio 4 terá início à 00h00min de sábado, 07 de maio, no site
www.ingresso.com e às 10hs da manhã do mesmo dia 07, nos quiosques dos shoppings Rio Sul, Barra Shopping e Nova América, todos na cidade do Rio de Janeiro. A entrada para cada dia do evento custará R$ 190 (inteira) e R$ 95 (meia entrada).

domingo, 1 de maio de 2011

EDITORIAL DE LANÇAMENTO DO BLOG

Pode parecer estranho o fato de um blog começar com o nome de uma web rádio. Na verdade, trata-se de algo normal nesses tempos da toda poderosa Internet. Em toda a história da Comunicação, só a Internet é capaz de possibilitar a união, em uma única expressão midiática, dos textos dos antigos jornais impressos, dos vídeos antes somente televisionados, e do som que há até algumas décadas só era possível de ser transmitido por meio de irradiação de ondas pelo ar.

Hoje, tudo flui junto nessa maravilhosa mídia que, ao mesmo tempo que é mídia independente e democrática, reúne dentro de si própria todas as outras possibilidades de propagação da informação existentes antes dela.

Estima-se, por meio de comprovações científicas, que o planeta Terra exista há cerca de 5 bilhões de anos. A mesma ciência também atesta que o ser humano está sobre a superfície da Terra há aproximadamente 500 mil anos. Nessa relativamente “pequena” porção de tempo em que o homem existe sobre o Planeta, ele foi capaz de descobrir a roda, o fogo, a expressão da fala, a escrita e a Internet claro, que, sem dúvida, pode ser comparável e também está no mesmo patamar de todas as mais revolucionárias descobertas do homem; revolucionárias no sentido de poder alterar significativamente a forma como ele vive.

Mesmo que seja certo que muitos de nós não estaremos mais por aqui, tente imaginar como será o mundo daqui há 50 anos, ocasião em que quase toda residência terá uma potente banda larga como tem luz elétrica hoje em dia. Um blog já é, em potencial, revista, jornal, vídeo e rádio. É reportagem, notícia, artigo de opinião, editorial, nota; tudo ao mesmo tempo agora, como diz a letra da música tema do 6º disco da banda brasileira de rock Titãs, disco que por sinal tem o mesmo nome (Tudo ao Mesmo Tempo Agora). Aliás, falando em banda de rock, em Titãs e em Tudo ao Mesmo Tempo Agora, vamos ao que interessa por aqui.

O blog da Rádio Web Matrix surge em momento oportuno, pois faz tempo que o rock está em segundo plano no Brasil, se compararmos, por exemplo, o cenário do rock nacional do início da década de 80 com o dos dias de hoje. A Rádio Web Matrix, em todas as suas nuances, será direcionada ao público do skate, do montain bike, do surf e dos mais variados esportes radicais que, obviamente, se fazem existir “ninados” pelo velho, bom e tradicional rock and roll.


























Para a nossa sociedade das mulheres frutas, das micaretas, dos funks e dos pagodes, acaba sendo bem ousado falar de rock e tocar rock exclusivamente em um veículo de comunicação, pois muitas vezes, quando alguém vê uma pessoa vestida com camisa preta de banda na rua, em muitas delas homens de cabelos compridos, logo pensa ou comenta: “ali vai mais um drogado!”. Mas se esquece de refletir sobre onde estão os alienados.










O verdadeiro rockeiro em essência, de cabelos compridos ou não, é um bancário, padeiro, médico, feirante e até militar como eu. Se esforça para viver como um cidadão normal e, dentro do possível, poder sempre pagar suas contas e impostos rigorosamente em dia, e não necessariamente precisa ser aquele que sobe o morro às 3 horas da manhã para comprar entorpecentes. Também sofrem com esse mesmo tipo de preconceito por expressiva parcela da população brasileira, os praticantes de skate, surf e dos outros esportes radicais de ação.É preciso desmistificar alguns comportamentos pontuais e muitas vezes isolados que acabam tomando vulto e são adotados como referência geral e rótulo do todo de um estilo musical e de vida como o do rock.

Ter um blog é como ter um imenso tomagoshi da Bandai. Aquele bichinho virtual que revolucionou e era bem comum no final dos anos 90, tempo em que a Internet ainda era uma mera célula embrionária que começava a se desenvolver no Brasil. Sustentar um blog com periodicidade que não o deixe poder ser chamado de abandonado é pelo menos atualizá-lo com um novo texto, um novo vídeo ou uma nova entrevista toda semana pelo menos. Não sei se será possível manter neste blog uma periodicidade semanal sem falhar, pois ainda não consigo viver só do jornalismo como gostaria. Minha outra atividade, de forma nobre e justa, exige muito do meu tempo. Porém, dentro da medida do possível, pretendo virar algumas noites por aqui cuidando do tomagoshi da Rádio Web Matrix.

Espero que, em relação às bandas e aos ícones do rock apresentados por aqui, sirvam sempre de referência as atitudes que compõem a parte dos bons exemplos, dos lirismos poéticos de determinadas letras e dos trabalhos que marcaram a cultura do rock pelo mundo a fora nesses 60 anos em que o vovô cheio de vitalidade chamado rock existe.

Também costuma-se dizer que o diabo é o pai do rock. No Brasil, essa definição ganhou campo graças a Raul Seixas, que acabou propagando esta idéia por meio de uma de suas mais famosas letras, talvez ainda norteado pelos tempos de sua juventude em que praticou, sobre livre arbítrio pessoal e não por ser rockeiro, o satanismo junto com o amigo inseparável de então, o hoje o consagradíssimo escritor brasileiro Paulo Coelho. É fato que algumas bandas de rock pelo mundo e no Brasil evocam aquele nome avesso a Deus para conseguir sucesso, mas isso ocorre nos mais variados ramos de atividades, sejam elas artísticas ou não. Para nós da Rádio Web Matrix, Deus sim é o pai do Rock; sabe por que? Porque só algo que é produto de Deus pode ser imortal como ele.





Como dizia Cazuza: “o rock é um movimento, como um rio que corre em direção ao mar.” Para nós da Rádio Web Matrix, esse bom movimento chamado rock é também imortal. O rock vem e vai, enfraquece e volta forte. Às vezes, até mesmo ressurge em uma nova geração como a de hoje com o sugestivo nome da banda Restart.

É ano de mais uma edição do Rock In Rio. Espero que, de fato, assim como o verdadeiro pai do rock, Deus, o simpático rock seja verdadeiramente imortal. E vocês, leitores, ouvintes e expectadores, sejam muito bem-vindos por aqui e voltem sempre.



Cássio Ribeiro

RENATO RUSSO E A LEGIÃO URBANA


Por Cássio Ribeiro









O que quase todos na casa dos quarenta, quase todos na casa dos trinta, e uma boa parcela dos adolescentes e pós-adolescente de hoje têm em comum? Talvez seja o fato de que, ao ouvirem as músicas daquela que foi e ainda é a maior banda do rock brasileiro em todos os tempos, sentirem a sensação de que as letras da Legião Urbana se encaixam e se identificam no cotidiano sentimental geral das pessoas e ao mesmo tempo são compatíveis com a realidade emocional particular de cada um.






Músicas como Será, Pais e Filhos, Tempo Perdido, Há Tempos, Faroeste Caboclo, Eduardo e Mônica e muitas outras atravessaram as décadas de 80, 90 e chegaram aos dias de hoje, quase 15 anos após o fim das atividades de Legião, como sucessos que ainda retratam com impressionante atualidade a nossa realidade emocional, social e política. São essas características das músicas da Legião Urbana que fazem da banda uma unanimidade que liga diversas gerações num gosto comum.





O autor de todo esse lirismo marcante expresso nas letras teria completado 51 anos no último dia 23 de março se estivesse vivo. Renato Manfredini Junior, o Renato Russo, nasceu no Rio de Janeiro, em 1960. Aos 7 anos, foi morar com a família em Nova Iorque, pois o pai, que era funcionário de um grande banco brasileiro, foi transferido para trabalhar na agência daquela cidade. Nos Estado Unidos, Renato teve estreito contato com a língua inglesa.
Dois momentos de Renato: no colo da mãe, dona Carmem, aos dois anos e ...cuidando da nutrição já cedo





A família Manfredini voltou ao Brasil dois anos depois, em 1969, e foi morar na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. Renato se destacava como excelente aluno na escola, mas sempre muito tímido e calado.



Renato segurando a placa da escola, durante a temporada nos Estados Unidos










De volta ao Brasil com a família, Renato e a irmã Tereza em frente a casa da Ilha do Governador, no Carnaval de 1969





Em 1973, Renato e a família vão morar na Asa Sul, em Brasília. Ao completar 15 anos, em 1975, os médicos deobrem que Renato Manfredini tem uma doença óssea chamada epiisiólise, que em Renato, praticamente dissolveu a cartilagem do osso que liga o fêmur à bacia.




Um registro da adolescência




Submetido a uma delicada cirurgia, Renato recebeu o implante de três pinos de platina na bacia, e teve que ficar seis meses na cama, praticamente sem movimentos, e mais um ano e meio, até os 17 anos, se locomovendo em cadeira de rodas, praticamente sem sair de casa. Nesta ocasião, Renato leu e ouviu muita música, despertando assim a pretensão de montar uma banda de rock. O nome "Russo", que virou sua marca artística, foi uma homenagem aos filósofos Jean-Jacques Rousseau e Bertrand Russell, cujas obras leu no período em que esteve entrevado por causa da doença óssea.Renato só voltou a andar aos 18 anos, em 1978, mesmo ano em que o jovem Felipe Lemos, o Fê, então com 16 anos e filho de um professor da Universidade de Brasília, voltava com a família de uma temporada na Inglaterra para morar num conjunto com quatro prédios em Brasília, chamado de Colina.Numa noite de 1978, Felipe Lemos vai com amigos a uma festa. A vitrola ecoa aos quatro ventos músicas das bandas Ramones, The Clash e Sex Pistols, as mesmas que o jovem costumava ouvir na Inglaterra. Interessado em conhecer o dono dos discos, Fê Lemos é apresentado, naquela festa estranha, a um sujeito esquisito vestido com camisa social, e que andava segurando um guarda-chuva numa mão e uma capanga na outra, Renato Russo.



Outro momento de Renato Russo na adolescência




Foi por causa dos discos de punk rock que Fê Lemos e Renato Russo ficaram amigos. Quase na mesma época, Renato conheceu André Pretórius, que era filho de um diplomata da África do Sul, e andava vestido de punk pelas ruas de Brasília. Surgiu a idéia dos 3 montarem uma banda com Russo no baixo, André Pretórius na guitarra e Fê Lemos na bateria; nascia a banda Aborto Elétrico.





A escolha do nome foi inspirada por um literal aborto elétrico ocorrido durante uma passeata em Brasília. A tropa de choque entrou em ação desferindo choques com as pontas dos cacetetes sobre os manifestantes. Uma moça grávida não resistiu às descargas elétricas e abortou, no meio da rua, uma menina que se chamaria Fátima, e que acabou dando nome a uma música do Aborto Elétrico, e se tornou um dos maiores sucessos do grupo Capital Inicial posteriormente.Renato Russo falou para a revista ShowBizz, em 1989, sobre a ocasião do aborto e sobre as reuniões da turma da Colina em Brasília:ENTREVISTADOR - Falem um pouco mais da repressão.RENATO RUSSO - Era tão louco, nem eles sabiam o que era. Implicavam com todo mundo. Era época da redemocratização. A Colina, que era nossa base bem no comecinho, era também a residência dos professores da UNB - gente da esquerda que não podia falar... E volta e meia vinham as joaninhas - não, nem joaninhas, era veraneio mesmo. Essa história de "Veraneio Vascaína" é por causa disso. Eles entravam na universidade, aquelas coisas de bater em estudante etc. O nome Aborto Elétrico é justamente porque eles inventaram, em 68, os cassetetes elétricos que davam choque. Numa dessas batidas, uma menina que estava grávida, nada haver com a história, levou uma tal daquelas cacetadas e perdeu a criança! Coisa de mau gosto! Então, Aborto Elétrico era o que representava a música da gente. Agora, a repressão existia em vários níveis, em todos os lugares. Tinha de se ter muito cuidado com o que se falava - não podia falar mal do governo, nada. Nem bzzzzzz. E era só verem um grupo de jovens juntos que vinham estragar, tipo desmancha prazer. Hoje ainda continua. Cada quatro quadras tem uma viatura especial, com telefone especial... Você viu o que aconteceu no show de Brasília, não? Lá é muito bravo mesmo. Mas a primeira vez que eu fui preso foi o seguinte: já tínhamos a turma punk e nessa época era meio perigoso, porque os boyzinhos começaram a dar porrada nos mais fraquinhos da turma. No André Müller e no Pretórius nuca batiam, porque eles eram enormes. Mas os garotinhos de treze anos, como o irmão do Zé Renato, usava brinco, pronto: vai lá e toma porrada! Eu sempre tentava apaziguar os ânimos. Dizia: "Não, gente, vamos explicar o que é que é. Quem sabe eles entendem." Nesse dia, eu, com minha roupa punk e toda a turma, falamos: "Vamos para outro lugar, não vamos ficar aqui." (isso foi em 81). Já estávamos indo embora quando chegou esta galera, de 15, 16, 17 anos, todos com aquele uniformezinho igual, sabe, roupa assim de jovem normal, boyzinho... E chegou o liderzinho, um cara "inteligente": "Por que, se vocês são brasileiros, ficam rabiscando a camiseta com essas coisas em inglês?" e eu explicando, tentando convencer: "Pô, vamos ficar todo mundo amigo. Olha, tenho um loló aqui. Vamos cheirar?" O cara que estava do lado dele era federal, e: "Mão pra cabeça!" E foi um teatro só. Ele pegou uma varetinha, com um chicote, e disse: "Na parede! Abre as pernas!" E os boyzinhos, claro, gritando: "Punk se fodeu! Punk se fodeu!" Uma coisa estúpida, porque a primeira coisa que o federal fez, foi jogar a garrafa de loló para os boyzinhos. E eles ficaram lá, cheirando. Eu fiquei tão puto com isso! É contra lei e tudo, mas foi aí que eu vi como era realmente a corrupção. Passei a noite no xadrez... A segunda vez, na festa do Estado, foi mais humilhante. Fora o que aconteceu na "Roconha". Nesta festa (dos Estados) estava lá eu - foi quando o John Lennon morreu - com os meus badges, meu cabelo colorido da Mônica, bêbado, falando para todo mundo: "Alê! Eu te amo! A vida é bela!" Perguntava o signo - nessa época eu lia Tarô, fazia mapa astral, um híbrido total. E de repente veio um cara e me deu um puta soco. Eu não me lembro direito, porque eu estava bêbado. Mas fui parar lá no porão da prisão. Mandaram eu tirar a roupa... horrível.ENTREVISTADOR - Você falou em "Roconha"?
RENATO RUSSO - Roconha era o seguinte. Tinha uma galera com um sítio - acho que era filho de um médico. sei lá. Então fizeram três Roconhas - a primeira parece que foi um escândalo, o máximo, mas ninguém ficou sabendo. Eles abriam a fazenda, o pessoal chegava de carro e ficava ouvindo som: você arrumava uma menina, ficava na boa com ela, fumava unzinho... A segunda foi mais divulgada. Fizeram um convite com um mapinha numa sede, dizendo: "traga o seu". Bem, aí nós juntamos na casa do Fê, todo mundo gala, com correntes e tudo, fomos todos para a Roconha. Mas nem entramos! Já tinha policial para tudo quanto é parte - parecia até cena do Kojak, com cachorro e tudo. Já entramos com a mão na cabeça, uns cinqüenta jovens sentados naquele chão de verão que ficava uma poeira só. O que teve de vestido branco que se acabou nesse dia!




DADO VILLA LOBOS - E eles: "Quem é filho de militar, para cá. Os menores para lá."RENATO RUSSO - E eles nos dividindo e a gente: "Não! Temos de ficar juntos." Foi uma coisa psicologicamente muito ruim. Mas quem sofreu mesmo foram menores. Abusaram mesmo! Os pais iam lá pegar as garotas e eles falavam: "Sua filha é uma piranha, andando com maconheiros!" Aquelas menininhas de 13 anos chorando, chorando, chorando. Foi horrível! Aí fizemos "Veraneio Vascaína".O primeiro show do Aborto Elétrico foi instrumental, num bar brasiliense chamado Só Cana. André Pretórius quebrou a palheta e machucou a mão, mas continuou tocando com o sangue escorrendo. As pessoas aplaudiram o sacrifício do guitarrista que, depois da apresentação, foi embora servir no exército da África do Sul, deixando o Aborto Elétrico.Com a prematura saída de Pretórius, Renato Russo assumiu a guitarra e o irmão de Fê Lemos, Flávio Lemos, passou a integrar o Aborto Elétrico como baixista. Nasciam músicas que ficariam famosas no cenário do rock brasileiro anos depois: "Que País é Este", "Veraneio Vascaína", "Conexão Amazônia", "Música Urbana" e muitas outras.




Terceiro show do Aborto Elétrico





Em 1981, o Aborto Elétrico fazia muitos shows em festas e festivais de colégios. Ico Ouro-Preto, irmão de Dinho do Capital Inicial, entrou para a banda como guitarrista, e Renato Russo assumiu a função de vocalista exclusivamente.

Os desentendimentos entre Renato Russo e o baterista Fê Lemos eram constantes. As divergências sobre a qualidade da música "Química", que se tornaria um dos maiores sucessos da Legião Urbana posteriormente, foi um dos motivos que ocasionou o fim do Aborto Elétrico, em 1982.





Fê Lemos e Flavio Lemos entraram para a banda Capital Inicial, que acabou herdando do Aborto Elétrico, as músicas Fátima, Veraneio Vascaína, Ficção Científica e Música Urbana.

Renato Russo, que já trabalhava desde os 17 anos com jornalismo, rádio e aulas de inglês, continuou se apresentando como um trovador solitário nos bares de Brasília, onde os freqüentaores tinham o privilégio de ouvir o violão e a voz de Renato interpretando as canções Química, Eu Sei, Faroeste Caboclo e Eduardo e Mônica, numa versão mais extensa que a gravada posteriormente pela Legião.



Renato como trovador solitário
























Renato queria montar outra banda, e foi com o baterista Marcelo Bonfá, o guitarrista Eduardo Paraná e o tecladista Paulo Paulista que a lendária Legião Urbana teve início. A banda herdou várias músicas do Aborto Elétrico, entre as quais, fizeram sucesso Química, Geração Coca-Cola, Que País é Este, Conexão Amazônica, Tédio Com um T Bem Grande Pra Você e Ainda é Cedo. A primeira apresentação do grupo foi na cidade mineira de Patos de Minas, em 5 de setembro de 1982, no festival Rock no Parque. Foi a única apresentação de Eduardo Paraná e Paulo Paulista, que deixaram a Legião Urbana logo depois.
























O guitarrista Ico Ouro-Preto passou a integrar a Legião Urbana, porém, a falta de uma seqüência fixa de ensaios e o medo de palco o fizeram deixar a banda antes da primeira apresentação em público, que seria na Temporada de Rock Brasiliense.








































A famosa e inesquecível formação
























Em julho 1983, a Legião faz um show no Circo Voador, no Rio de Janeiro. Após a apresentação, que foi um marco na história da banda, a Legião é convidada para assinar com a gravadora EMI. O baixista Renato Rocha (o Negrete) entra para a banda em 1984, quando começam as gravações do primeiro álbum























O disco 1, Legião Urbana, é lançado em 1 de janeiro de 1985, e a música ‘Ainda é Cedo’ é a primeira a ser tocada nas rádios FM de norte a sul do Brasil. As músicas ‘Será’ e ‘Por Enquanto’ são outros grandes sucessos do primeiro trabalho da Legião.





















A nova formação de 1984, com o baixista Renato Rocha
























Assista ao vídeo da música "Ainda é Cedo" abaixohttp://www.youtube.com/watch?v=BUGEPsUotD0























Também em 1985, começam as gravações do segundo disco, que teria o nome "Mitologia e Intuição" e seria um álbum duplo, mas, como a gravadora não concordou, o trabalho foi lançado só com um disco em 1986 sob o título "Dois", que é a segunda marca de maior venda da Legião, com 1,2 milhão de cópias. As músicas ‘Tempo Perdido’, ‘Índios’, ‘Quase sem Querer’ e ‘Eduardo e Mônica’ são os grandes sucessos desse segundo trabalho da Legião. Nessa época, a banda quase acabou.





















Assista ao vídeo da música "Tempo Perdido" abaixo http://www.youtube.com/watch?v=059HEaYRve0
























Passada a fase de quase dissolução do grupo, começam as gravações do terceiro disco, Que País é Este, que foi lançado em 1987 e é o disco da Legião considerado mais punk entre todos da discografia, já que das 9 músicas do trabalho, 7 eram da antiga banda Aborto Elétrico.























Durante a turnê de divulgação do disco Que País é Este, um show realizado no estádio Mané Garrincha, em Brasília, em junho de 1988, acabou em imensa confusão generalizada. A apresentação começou com atraso, e Renato Russo estava bem humorado no palco, fazendo brincadeiras com a platéia.






















Na quarta música, ‘Conexão Amazônica’, um integrante da platéia passou pelos seguranças e subiu no palco. Agarrou Renato Russo pelo pescoço, como que querendo estrangulá-lo. O vocalista revidou com golpes de microfone na cabeça do agressor, que foi contido pelos seguranças e retirado do palco.























O show continuou e uma bomba foi jogada no palco. A Legião Urbana abandonou a apresentação antes do fim e o público ficou furioso. Outras bombas foram jogas no palco e teve início um quebra-quebra generalizado no estádio. Em meio ao caos, o saldo foi de 385 atendimentos médicos. O governo do Distrito Federal moveu um processo contra a Legião.

















Momento em que Renato é agarrado pelo pescoço durante o show em Brasília
















A confsão no estádio Mané Garrincha em 1988
















No Final de 1988, o baixista Renato Rocha sai da Legião depois de desentendimentos com os outros integrantes. Começam as gravações do quarto disco, As Quatro Estações, nas quais Renato Russo e Dado Villa-Lobos se revezaram no baixo. O trabalho, com a marca das 1,7 milhão de cópias vendidas, representa o maior sucesso da banda, e é considerado o melhor disco do grupo. Das 11 músicas, 9 fizeram sucesso nas rádios.


















A banda novamente sem Renato Rocha

















O álbum foi lançado em 1989, mesmo ano em que Renato Russo descobriu ser portador do vírus da AIDS, em pleno auge da carreira. O disco aborda temas como a própria AIDS, na música ‘Feedback Song for a Dying Friend’, o homossexualismo, em ‘Meninos e Meninas’, e ainda expressa a tradicional crítica tão característica nos trabalhos da Legião, na música ‘1965 Duas Tribos’.O quinto disco ‘V’ foi lançado em novembro de 1991 e é bem melancólico, pois foi produzido na época em que Renato tinha descoberto ser portador do HIV, além de passar por problemas no relacionamento amoroso, e com o alcoolismo. Os destaques do disco ‘V’ foram a crítica social ‘Teatro dos Vampiros’ e a melancólica ‘Vento no Litoral’. Para muitos fãs da banda, o disco é a grande obra prima da Legião Urbana. A turnê de divulgação do trabalho teve que ser interrompida em 1992, quando a já frágil saúde de Renato Russo apresentou complicações.O sexto disco, O Descobrimento do Brasil, foi lançado em dezembro de 1993. As músicas falam de esperança e despedida, pois marcam a fase em que Renato tinha iniciado um tratamento contra a dependência química. O disco foi um dos que menos tocou nas rádios.

No início de 1996, piora o estado de saúde de Renato Russo, e o cantor entra em depressão profunda. As gravações do sétimo disco, A Tempestade ou o Livro dos Dias, é interrompida várias vezes e dura seis meses. O disco foi lançado em 20 de setembro de 1996, e não possui agradecimentos e nem a tradicional frase presente em quase todos os discos da Legião Urbana: Legio Omnia Vincit (Legião Urbana a tudo vence). Renato recusou-se a tirar fotos para o disco, cujas letras são uma espécie de carta de despedida aos fãs. As Fotos para o encarte foram produzidas perto do lançamento, com exceção da de Renato Russo, que foi uma fotografia antiga reaproveitada.

















A foto do disco 'A Tempestade': montagem com uma imagem antiga de Renato Russo
























Ao fim das gravações de ‘A Tempestade’, em junho de 1996, Renato se isolou em seu apartamento, em Ipanema, no Rio de Janeiro, muito debilitado por uma forte pneumonia.

No dia 11 de outubro de 1996, pesando 45 quilos, morria Renato Russo, um dos maiores letristas e cantores do rock brasileiro. Seu corpo foi cremado no dia seguinte no Cemitério do Caju, e as cinzas jogadas no jardim do sítio do paisagista Roberto Burle Marx, em Barra de Guaratiba no Rio de Janeiro. Onze Dias depois da morte de Renato, em 22 de outubro, Dado e Bonfá anunciavam o fim da Legião Urbana.

























Após a morte de Renato Russo, foram lançados o Acústico MTV Legião Urbana, em 1999, e mais 4 discos com gravações anteriores a 1996, além da coletânea Música para Acampamentos, lançada em 1992. Existem ainda 8 discos solo de Renato Russo.























Renato deixou um filho, Giuliano Manfredini, que hoje tem 22 anos e mora com os avós paternos em Brasília. O rapaz foi fruto de uma rápida relação entre o cantor e uma fã que, segundo os pais de Renato Russo, morreu num acidente de carro, em 1990.

















Com o filho Giuliano Manfredini























O filho de Renato Russo em foto de 2006, aos 17 anos: guitarra como hobby e planos para cursar a faculdade de Direito

















O veterano cineasta Antônio Carlos da Fontoura está dirigindo um filme Sobre a Legião Urbana, "Somos Tão Jovens", que será concluído agora em 2011. O nome original “Religião Urbana”, que Renato não aprovava, foi vetado pela mãe do artista.


























Legião Urbana ainda é o terceiro maior grupo musical da gravadora EMI em venda de discos por catálogo em todo o mundo hoje em dia. São 13 títulos de discos que ultrapassam as 19 milhões de cópias vendidas, o que dá uma média de cerca de 200 mil cópias por mês. Uma marca que, sem dúvida, dá à Legião Urbana do eterno trovador solitário Renato Russo, o título de maior banda brasileira de rock em todos os tempos.













Animação criativa da música Eduardo e Mônicahttp://www.youtube.com/watch?v=3LUH8ovUAF0