Por Cássio Ribeiro
Em 5 de janeiro de
2008, um sábado, era para ter sido escrito mais um capítulo da história daquele
que é o mais famoso e tradicional Rali do mundo. Porém, junto com as dunas, as
pedras, os buracos, a dor, o medo, a fome, a sede, o calor de mais de 45 graus
do dia e o frio intenso da noite, que precisavam ser superados durante os mais
de 9 mil quilômetros a serem percorridos em pleno Deserto do
Saara, um perigo a mais presente na competição de 2008 do também chamado
"Rali da Morte" acabou fazendo a organização do evento cancelar
aquela que seria a histórica 30ª edição do Rali.
Competidores descansando no intervalo entre duas etapas do Rali Dakar, realizado na ocasião entre a Europa e a África
O governo da França avisou ao diretor
do Rali Dakar 2008, o francês Etienne Lavigne, que terroristas haviam feito
ameaças aos competidores do Rali, sem que pudessem ser especificadas as
prováveis etapas da competição onde ocorreriam os ataques.
Durante o
trecho do Rali que cortava o Deserto do Saara, no noroeste da África, os
competidores de diversas nacionalidades ficavam indefesos durante horas em
seus carros, motos e caminhões, expostos e cercados por cenários
formados por dunas em todos os 15 dias da competição em média.
Por horas durante o Rali, os participantes eram presas fáceis...
para os fundamentalistas islâmicos, como nesse trecho dentro do leito de um rio seco no deserto
Apesar das ameaças terroristas, que já tinham ocorrido em anos anteriores, mas nunca ocasionaram o cancelamento
da competição, o ponto fundamental que impediu a realização do Rali
Dakar 2008 foi o assassinato de 4 turistas franceses em 28 de
dezembro de 2007, na Mauritânia, que é um país localizado no noroeste da África e
cujo deserto era cortado por grande parte do percurso do Rali.
Logo que
cruzava o Estreito de Gibraltar e entrava na África, o percurso seguia para o oeste a fim de evitar o território da Argélia, mas a passagem pela
Mauritânia representava perigo iminente para os competidores
O assassinato dos 4 franceses naquela
região foi atribuído ao grupo Islâmico "Salafista para Pregação e o
Combate", que teve origem na Argélia e atua em todo o norte da África,
além de ser ligado à organização Al-Qaeda desde
2002.
Bandeira do Grupo Islâmico Salafista; braço armado da Al-Qaeda no norte da África
O 30º Rali Dakar 2008 teria início na
cidade portuguesa de Lisboa, em frente ao Mosteiro dos Jerônimos, e
terminaria em 20 de janeiro no oeste da África, na capital do Senegal,
Dakar.
Antes do cancelamento do Rali Dakar 2008, a organização do evento
ainda pensou em uma prova mais curta, que terminasse no Marrocos;
porém, o governo francês recomendou que o Rali nem fosse iniciado.
Sem a realização da etapa
2008 da competição, o diretor do Rali, Etienne Lavigne, direcionou a
organização do Dakar para a América do Sul a partir de 2009.
Foi uma mudança
significativa nas tradições e no trajeto histórico do Rali, que surgiu de forma curiosa a
partir da ocasião em que o francês Thierry Sabine, em 1977, ficou
perdido no deserto do norte da África, e decidiu que o local seria ótimo
para a realização de um Rali anual.
A primeira edição do Dakar foi realizada um
ano depois, entre dezembro de 1978 e janeiro de 1979 — dos 170
participantes que saíram de Paris na edição inaugural, só 69 concluíram o
Rali em Dakar.
A
partir de então até a edição cancelada de 2008, o tradicional Rali, que
é a maior e mais dura prova automobilística do mundo e reúne cerca de
500 veículos entre as categorias caminhão, carro e moto, nunca deixou de
ser realizado.
Entre 2009 e 2011, o novo
percurso do Rali Dakar teve início na Argentina e Terminou no Chile. Na edição 2012 (33ª edição), realizada entre 1 e 15 de janeiro deste ano, a grande novidade foi a
ampliação do percurso sul-americano até o Peru.
O percurso 2012 do Rali Dakar, realizado na América do Sul atualmente
Mesmo realizado na América do Sul atualmente, os acidentes são constantes nas edições do "Rali da Morte"
Até 2007, quando era realizado entre a Europa e África, a
areia fina das dunas do Saara muitas vezes revelava-se uma armadilha
durantre os deslocamentos de 150 Km/h
Piloto e
navegador, que segue com um mapa estudando a melhor opção para cumprir
cada etapa no menor tempo, devem estar entrosados como em uma dança. No
deserto do Chile por exemplo, que é cheio de pedras de todos os
tamanhos, um erro pode representar a despedida Rali, e muitas vezes da
própria vida
No Dakar, o destaque brasileiro é o experiente piloto André Azevedo,
que é assíduo participante da categoria caminhões do Rali desde
1999, ano em que estreou dando ao Brasil uma colocação no pódio, com a
conquista do 3º lugar.
André Azevedo, sinônimo de presença brasileira na categoria caminhões do Dakar desde 1999..
e seu
robusto caminhão da Equipe Brasil Dakar, fabricado na República Checa. O modelo
é equipado com sistema para inflar os pneus em movimento, caso furem
durante uma etapa no meio do deserto
Uma outra faceta muito criticada do Rali Dakar nas edições Europa-África até 2007 era aquela observada pelos que analisavam o evento como uma
agressão ao pobre continente africano, repleto de fome e epidemias.
O
próprio título oficial do evento "Euromilhões Lisboa-Dakar" deixava claro
um triste contraste expresso quando os carros, as motos e os caminhões
das marcas líderes do mercado automobilístico mundial passavam pelas vilas
pobres do interior árido norte-africano e suas populações de humildes
tuaregues.
Registro da chegada da edição 2007 do Euromilhões Lisboa-Dakar ...
As edições realizadas até 2007, com início na Europa, marcavam um triste contraste com a condição econômica e social das populações africanas
Na versão antigado Rali , quando os carros, as
motos e os caminhões percorriam os 20 quilômetros da última etapa do Dakar, junto ao Atlântico e já dentro do território do Senegal, na
costa oeste africana, rumo à linha de chegada em Dakar, estavam batidos,
remendados e com o motor cansado, porém, tudo podia ser reparado com recursos financeiros de sobra.
Os
últimos 20 quilômetros do Rali Dakar eram e são, na verdade, uma festa, uma
grande festa dos países ricos e líderes da economia mundial,
representados por seus competidores que, mesmo exaustos, conseguiam e conseguem
percorrer o deserto, vencendo o
medo, o frio, a dor, o calor, a sede e a fome.
Tudo meramente
transitório. Deixam na verdade para trás toda uma realidade humana e social que não
se repete só em períodos anuais, como uma festa, e nem pode ser
subitamente cancelada como o Dakar de 2008.
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