domingo, 18 de novembro de 2012

UM GIRO POR DENTRO DO RALI DAKAR







Por Cássio Ribeiro


Em 5 de janeiro de 2008, um sábado, era para ter sido escrito mais um capítulo da história daquele que é o mais famoso e tradicional Rali do mundo. Porém, junto com as dunas, as pedras, os buracos, a dor, o medo, a fome, a sede, o calor de mais de 45 graus do dia e o frio intenso da noite, que precisavam ser superados durante os mais de 9 mil quilômetros a serem percorridos em pleno Deserto do Saara, um perigo a mais presente na competição de 2008 do também chamado "Rali da Morte" acabou fazendo a organização do evento cancelar aquela que seria a histórica 30ª edição do Rali.



  
Competidores descansando no intervalo entre duas etapas do Rali Dakar, realizado na ocasião entre a Europa e a África




O governo da França avisou ao diretor do Rali Dakar 2008, o francês Etienne Lavigne, que terroristas haviam feito ameaças aos competidores do Rali, sem que pudessem ser especificadas as prováveis etapas da competição onde ocorreriam os ataques. 



Durante o trecho do Rali que cortava o Deserto do Saara, no noroeste da África, os competidores de diversas nacionalidades ficavam indefesos durante horas em seus carros, motos e caminhões, expostos e cercados por cenários formados por dunas em todos os 15 dias da competição em média.




Por horas durante o Rali, os participantes eram presas fáceis...


 
 para os fundamentalistas islâmicos, como nesse trecho dentro do leito de um rio seco no deserto




Apesar das ameaças terroristas, que já tinham ocorrido em anos anteriores, mas nunca ocasionaram o cancelamento da competição, o ponto fundamental que impediu a realização do Rali Dakar 2008 foi o assassinato de 4 turistas franceses em 28 de dezembro de 2007, na Mauritânia, que é um país localizado no noroeste da África e cujo deserto era cortado por grande parte do percurso do Rali.




 Logo que cruzava o Estreito de Gibraltar e entrava na África, o percurso seguia para o oeste a fim de evitar o território da Argélia, mas a passagem pela Mauritânia representava perigo iminente para os competidores




O assassinato dos 4 franceses naquela região foi atribuído ao grupo Islâmico "Salafista para Pregação e o Combate", que teve origem na Argélia e atua em todo o norte da África, além de ser ligado à organização Al-Qaeda desde 2002. 



 Bandeira do Grupo Islâmico Salafista; braço armado da Al-Qaeda no norte da África






O 30º Rali Dakar 2008 teria início na cidade portuguesa de Lisboa, em frente ao Mosteiro dos Jerônimos, e terminaria em 20 de janeiro no oeste da África, na capital do Senegal, Dakar. 



Antes do cancelamento do Rali Dakar 2008, a organização do evento ainda pensou em uma prova mais curta, que terminasse no Marrocos; porém, o governo francês recomendou que o Rali nem fosse iniciado.




Sem a realização da etapa 2008 da competição, o diretor do Rali, Etienne Lavigne, direcionou a organização do Dakar para a América do Sul a partir de 2009.



Foi uma mudança significativa nas tradições e no trajeto histórico do Rali, que surgiu de forma curiosa a partir da ocasião em que o francês Thierry Sabine, em 1977, ficou perdido no deserto do norte da África, e decidiu que o local seria ótimo para a realização de um Rali anual. 



A primeira edição do Dakar foi realizada um ano depois, entre dezembro de 1978 e janeiro de 1979 — dos 170 participantes que saíram de Paris na edição inaugural, só 69 concluíram o Rali em Dakar.  



A partir de então até a edição cancelada de 2008, o tradicional Rali, que é a maior e mais dura prova automobilística do mundo e reúne cerca de 500 veículos entre as categorias caminhão, carro e moto, nunca deixou de ser realizado.



Entre 2009 e 2011, o novo percurso do Rali Dakar teve início na Argentina e Terminou no Chile. Na edição 2012 (33ª edição), realizada entre 1 e 15 de janeiro deste ano, a grande novidade foi a ampliação do percurso sul-americano até o Peru.


  
O percurso 2012 do Rali Dakar, realizado na América do Sul atualmente
 


 Mesmo realizado na América do Sul atualmente, os acidentes são constantes nas edições do "Rali da Morte"





 Até 2007, quando era realizado entre a Europa e África, a areia fina das dunas do Saara muitas vezes revelava-se uma armadilha durantre os deslocamentos de 150 Km/h




  
Piloto e navegador, que segue com um mapa estudando a melhor opção para cumprir cada etapa no menor tempo, devem estar entrosados como em uma dança. No deserto do Chile por exemplo, que é cheio de pedras de todos os tamanhos, um erro pode representar a despedida Rali, e muitas vezes da própria vida


No Dakar, o destaque brasileiro é o experiente piloto André Azevedo, que é assíduo participante da categoria caminhões do Rali desde 1999, ano em que estreou dando ao Brasil uma colocação no pódio, com a conquista do 3º lugar. 



 André Azevedo, sinônimo de presença brasileira na categoria caminhões do Dakar desde 1999..






e seu robusto caminhão da Equipe Brasil Dakar, fabricado na República Checa. O modelo é equipado com sistema para inflar os pneus em movimento, caso furem durante uma etapa no meio do deserto




Uma outra faceta muito criticada do Rali Dakar nas edições Europa-África até 2007 era aquela observada pelos que analisavam o evento como uma agressão ao pobre continente africano, repleto de fome e epidemias. 



O próprio título oficial do evento "Euromilhões Lisboa-Dakar" deixava claro um triste contraste expresso quando os carros, as motos e os caminhões das marcas líderes do mercado automobilístico mundial passavam pelas vilas pobres do interior árido norte-africano e suas populações de humildes tuaregues. 



Registro da chegada da edição 2007 do Euromilhões Lisboa-Dakar ...


As edições realizadas até 2007, com início na Europa, marcavam um triste contraste com a condição econômica e social das populações africanas


Na versão antigado Rali , quando os carros, as motos e os caminhões percorriam os 20 quilômetros da última etapa do Dakar, junto ao Atlântico e já dentro do território do Senegal, na costa oeste africana, rumo à linha de chegada em Dakar, estavam batidos, remendados e com o motor cansado, porém, tudo podia ser reparado com recursos financeiros de sobra.



Os últimos 20 quilômetros do Rali Dakar eram e são, na verdade, uma festa, uma grande festa dos países ricos e líderes da economia mundial, representados por seus competidores que, mesmo exaustos, conseguiam e conseguem percorrer o deserto, vencendo o medo, o frio, a dor, o calor, a sede e a fome. 


Tudo meramente transitório. Deixam na verdade para trás toda uma realidade humana e social que não se repete só em períodos anuais, como uma festa, e nem pode ser subitamente cancelada como o Dakar de 2008.

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