segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O FUTEBOL DE MESA





Por Cássio Ribeiro
 
Década de 60. O premiado pianista Arthur Moreira Lima está exilado em Moscou, na então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A vida distante do Brasil foi a melhor alternativa encontrada diante da repressão imposta pela Ditadura Militar brasileira.


Ao arrumar a bagagem para a partida, Moreira Lima não esqueceu seu inseparável time de botões do Fluminense e, depois de alguns meses em Moscou, as regras do futebol de botão já tinham sido ensinadas a alguns soviéticos, que enfrentavam o pianista em partidas disputadas em pleno frio asiático.


Quando os amigos brasileiros iam visitar o pianista, também levavam suas equipes dentro das malas. Foi o que fez o arquiteto Alfredo Brito, em 1967, quando embarcou em um trem na Polônia, carregando um time do Botafogo em direção a Moscou, para a disputa do clássico entre Fluminense e Botafogo, conhecido como o clássico vovô do futebol carioca.


Na fronteira russa, Alfredo Brito foi revistado por policiais soviéticos que subiram no trem. A caixa com os botões, ao ser aberta, levantou suspeitas sobre o brasileiro. Os policiais queriam saber o que eram aquelas peças estranhas, acompanhadas de uma caixa de fósforos cheia de parafusos, que para os russos, certamente, seria uma bomba de estilhaços. Brito disse que se tratavam de football toys, e o nome da bomba era Osvaldo Baliza, goleiro do Botafogo no final da década de 40.


Toda a estranheza despertada nos russos se deu pelo fato de o futebol de botão ser um esporte muito conhecido só por aqui, sendo inclusive citado por muitos pesquisadores como um esporte genuinamente nascido no Brasil, embora não hajam registros preservados sobre a origem oficial do jogo de botão.


O autor Ubirajara Godoy Bueno, que escreveu o livro 'Botoníssimo', publicado em 1998, afirma que não há provas de que os garotos que brincaram de botão pela primeira vez fossem brasileiros, mas há muitos indícios.



No Brasil, quase todo garoto entre a década de 20 e o final do século passado tirou a cesta de frutas e o pano que cobria a mesa de jantar de casa para a disputa de uma animada partida. O “gramado” onde a bola corria durante os ataques e as tabelas entre os craques também podia ser improvisado em pátios de pedra polida e em corredores de madeira, porém, o “piso” preferido eram os lisos tacos em madeira, com uma convidativa camada de sinteco recém-aplicada. Na ausência do sinteco, a aplicação de cera doméstica comum resolvia muito bem a questão do toque de bola.

Jogador de futebol de botão é muitas vezes taxado como doido. Várias pessoas expressam incisivo preconceito quando vêem um marmanjão, muitas vezes cheio de cabelos brancos, debruçado sobre a mesa com uma palheta nas mãos. Alguns botonistas famosos que já passaram por tal situação são Jô Soares, Armando Nogueira, Casagrande e o já falecido e saudoso Chico Anísio.


O primeiro livro de regras sobre o futebol de botão foi o “Regras Officiaes do Football Calotex”, escrito pelo brasileiro Geraldo Décourt, aos 19 anos, em 1930. Décourt, que virou patrono do futebol de botão anos mais tarde, deu o nome de calotex ao jogo, porque calotex era o material importado com o qual se fabricavam as mesas domésticas na época.

Geraldo Décourt, patrono do futebol de botão

Embora os primeiros jogadores fossem tampas acrílicas de relógio disputadas por garotos nos balcões dos relojoeiros, durante a primeira metade do século passado, também marcaram época os “atletas” feitos a partir de casca de coco envernizada. 


Os primeiros craques de tampa de relógio

O que acabou dando o nome pelo qual o jogo é mais conhecido foram os enormes botões roubados das casacas da época. O futebol de botão usava inicialmente como bola, miolo de pão amassado, grãos de feijão, e irregulares formas próximas de cubos, esculpidas à gilete em rolhas de cortiça.

Os botões industrializados em acetato e os de galalite só começaram a ser produzidos na década de 1970. Nos anos 80, federações surgiram em todo o Brasil e o pequeno cubo, ou dadinho, roubou o cenário das outras bolas.

 Trave dos anos 70, ...
 e o goleiro de caixa de fósforos do Fluminense, como o que foi confundido com uma "bomba" sendo levada para Moscou
Botão do Bangu /RJ, em duas camadas e com faixa central de galalite ou madrepérola, fabricado na década de 80 



Botões do São Paulo e do Borússia em lance de disputa pelo dadinho, próximo ao meio de campo

Em 1988, o Conselho Nacional de Desportos concedeu a categoria de esporte ao jogo, com o pomposo nome de Futebol de Mesa. Foram oficializadas três regras: a baiana (onde cada jogador só pode dar um toque por vez na bola), a carioca (3 toques) e a paulista (12 toques). A bola esférica também foi introduzida. Com exceção do Brasil, o futebol de mesa não é reconhecido como esporte em nenhum outro país do mundo. 


Antigos botões com as imagens de Jairzinho, Garrincha e Pelé, junto às modernas bolas esféricas


 Partida de futebol de mesa em andamento

Na década de 90, o Clube dos 13, que reúne os 13 maiores times de futebol do Brasil, começou a cobrar fortunas pela licença dos escudos colocados pelas fábricas sobre os botões. Com isso, a produção nas indústrias baixou significativamente.

Com a evolução constante da realidade virtual dos videogames, o futebol de mesa foi perdendo espaço entre a garotada. Mesmo assim, hoje ainda existem muitos botonistas que realizam animados campeonatos em garagens, clubes e federações.


A Federação Paulista de Futebol de Mesa, fundada em 1962, conta hoje com mais de 3 mil sócios, e é reconhecida pela Confederação Brasileira de Futebol de Mesa (CBFM). Outra filiada à CBFM é a Federação Botonista do Estado do Rio de Janeiro (FEBOERJ).


Os escudos da Confederação Brasileira de Futebol de Mesa ...

e da Federação Paulista de Futebol de Mesa

O esporte conta com vários endereços na Internet, como o http://www.futeboldemesanews.com.br/, onde o internauta pode saber quais são os principais campeonatos em andamento e seus resultados, como também se inscrever para participar de torneios abertos a várias categorias. Um dos links na página inicial do site tem o nome de futebol de mesa de batom, e mostra entrevistas com algumas mulheres praticantes do esporte.



Já no blog www.escudosdebotao.blogspot.com/, o botonista pode baixar e imprimir escudos de clubes de todos os estados do Brasil, como também fotos dos rostos de jogadores que marcaram época em equipes italianas. Tudo isso poderá ser fixados como “camisa” nos seus craques.


 
 Atuais botões e goleiros usados em jogos oficiais
Professoras e psicólogas que introduziram o futebol de mesa nas atividades das crianças com as quais trabalham, afirmam que o esporte ajuda os jovens alunos a desenvolverem a coordenação motora global, o raciocínio lógico-matemático, o trabalho em equipe, a concentração e o aprendizado geral por meio do lúdico. De fato, muitas qualidades para quem nunca viu nada de bom e interessante nesse esporte tão brasileiro, e até já confundiu um goleiro do Botafogo com uma bomba de estilhaços prestes a ser detonada por um brasileiro “terrorista” arquiteto num trem a caminho de Moscou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário