Por Cássio Ribeiro
Embora os russos tenham dado o primeiro passo da
corrida espacial, enviando o primeiro homem, Yuri Gagarim, em 1961, a um
ponto orbital além da atmosfera do planeta Terra, os americanos
acabaram passando a frente na busca pelo domínio sobre a ida ao espaço e
sua ocupação.
Tudo
estava pronto no Centro Espacial Kennedy, em Cabo Canaveral, Flórida,
para o lançamento da 25ª missão da Agência Espacial Norte-Americana
(NASA). Estacionado na recém-reformada plataforma 39 B, o ônibus
espacial Challenger está preso a dois foguetes modelo SRB, fabricados
pela empresa Morton Thiokol.
Tudo pronto para mais um lançamento em Cabo Canaveral, na Flórida
Desde
o primeiro lançamento do programa espacial dos Estados Unidos,
realizado em 1981, o interesse do público americano sobre as atividades
da NASA diminuiu bastante, e a opinião pública parecia ter perdido a
consciência sobre a magnitude do projeto.
O lançamento da Challenger era encarado como rotina no ponto de vista técnico, porém, uma novidade nessa missão fazia a imprensa voltar sua atenção para o lançamento como em nenhuma das outras 24 investidas anteriores da NASA ao espaço.
O lançamento da Challenger era encarado como rotina no ponto de vista técnico, porém, uma novidade nessa missão fazia a imprensa voltar sua atenção para o lançamento como em nenhuma das outras 24 investidas anteriores da NASA ao espaço.
Na missão da Challenger, foi posto em prática um esforço do governo do presidente Ronald Reagan para levar um cidadão comum ao espaço e, com isso, promover a popularidade do programa espacial americano que havia diminuído desde o primeiro lançamento.
A
professora de ensino médio Christa McAuliffe estava incluída entre a
tripulação da Challenger, e disse na ocasião que antecedia o lançamento:
“Uma das coisas que espero poder ensinar na sala de aula é que
eles, os alunos, também fazem parte da História; que o programa espacial
pertence a eles também, e pretendo aproximá-los da era espacial. Acho
que nunca um professor esteve mais preparado para dar essas aulas. Venho
preparando-as desde setembro e espero que todos estejam sintonizados no
quarto dia para assistir a um professor dando aula a partir do espaço.”
e a professora Christa McAuliffe
O
projeto da missão previa que Christa faria pouco abordo da Challenger.
Só após o quarto dia no espaço, ela seria o centro das atenções ao
ministrar duas aulas para seus alunos a partir do ônibus espacial.
O sucesso em despertar o interesse do público com a inclusão de uma pessoa comum nas missões espaciais já abria estudo para outras participações, incluindo jornalistas e operários nas próximas idas ao espaço.
O sucesso em despertar o interesse do público com a inclusão de uma pessoa comum nas missões espaciais já abria estudo para outras participações, incluindo jornalistas e operários nas próximas idas ao espaço.
O comandante da missão era
o ex-piloto da força aérea americana, Francis Dick Scobee, que afirmou
na ocasião antes do lançamento da Challenger: “É um prazer estar em
Cabo Canaveral e participar de algo que se faz melhor aqui do que em
qualquer lugar do mundo: o lançamento de veículos espaciais.”
O
piloto era Mike Smith e a missão da Challenger foi seu primeiro vôo em
um ônibus espacial. O Vôo contava ainda com mais quatro especialistas:
Judy Resnik, Ellison Onizuka, Ron McNoir e Greg Jarvis. Porém, o foco da
atenção da imprensa era a professora Christa McAuliffe.
Os
sete astronautas da missão da Challenger. Em pé: Elison Onizuka, a
professora Christa McAuliffe, o especialista em carga útil Greg Jarvis,
Judy Resnik e, abaixados: o piloto Mike Smith, o comandante Francis
Scobee e Ron McNoir
É 27 de janeiro de
1986 e os astronautas começam a embarcar na Challenger, onde aguardarão
até às 9h37min, horário previsto para o lançamento. Os controladores de
vôo só embarcam a tripulação depois de todo o sistema ter sido testado.
As condições da tripulação abordo são desconfortáveis. São 8h30min e os
sete astronautas estão na “sala branca”, que é a antecâmara da
Challenger.
A equipe de
apoio executa o travamento manual da cabine, mas a verificação do
fechamento indica que algo está errado. A porta está trancada, mas o
indicador de segurança mostra que não. Os técnicos verificam que a trava
está posicionada corretamente, mas parece que o indicador de segurança
está com defeito.
O
programa espacial americano já havia enfrentado uma série de falhas
técnicas e quase todo lançamento teve que lidar com problemas antes da
decolagem, durante e após os vôos. A característica arrojada do programa
espacial sempre levou a NASA até o limite evolutivo da tecnologia
disponível.
Enquanto a tripulação espera
o concerto do indicador de segurança dentro da Challenger, a velocidade
do vento na plataforma de lançamento está em 8 metros por segundo, que é
o ponto limite a partir do qual é preciso cancelar o lançamento. Ao ser
removida a barra da entrada da cabine, é constatado que o pino de
segurança está com defeito.
Para
realizar o reparo, é preciso esperar até que uma furadeira seja
entregue, pois nenhuma ferramenta que possa produzir faísca é guardada
no local onde o combustível dos foguetes propulsores poderia ser
inflamado antes do momento exato de ignição.
O lançamento previsto para o dia anterior, 26 de janeiro, já foi adiado em função da previsão de mau tempo, mas na prática não houve mau tempo. Em 27 de janeiro, as condições climáticas também eram preocupantes, além do defeito existente no travamento da porta da Challenger.
O defeito no travamento da porta da Challenger foi resolvido, porém, às 12h50min, o vento forte fez o controle da missão adiar o lançamento mais uma vez. Os sete astronautas deixaram a nave e retornaram aos alojamentos do centro de lançamento para descansarem. Meio milhão de dólares em combustível teve que ser retirado do tanque externo e desperdiçado.
Para chegar à sua órbita ao redor da Terra, a Challenger dependia dos foguetes SRB, que custavam 50 milhões de dólares o par e faziam o ônibus espacial subir a uma velocidade de 1600 metros por segundo.
Depois do lançamento, os SRB eram separados dos ônibus espaciais e caíam de pára-quedas no mar, de onde eram resgatados e levados novamente para a empresa fabricante, a Morton Thiokol, em Utah, para serem recondicionados e aproveitados em outro lançamento.
O
ônibus espacial é um tipo de avião que, ao ser lançado, está acoplado a
um grande tanque externo de combustível líquido (oxigênio e
hidrogênio), em vermelho na ilustração.Os foguetes auxiliares SRB vão
acoplados ao grande tanque de combustível vermelho ...
Dois minutos após o lançamento, o combustível sólido dos foguetes auxiliares SRB se esgota. Eles se detacam do conjunto e caem de pára-quedas no mar, de onde são recuperados e preparados para outro lançamento. Nove minutos após o lançamento, o ônibus espacial já está fora da atmosfera e o combustível do tanque externo vermelho se esgota. Ele se desprende do ônibus, caindo em direção à Terra. O tanque se incendeia e é destruído quando entra em contato com o atrito da atmosfera, sendo ele a única parte do conjunto que não é reaproveitada em outro lançamento. O ônibus espacial entra em órbita ao redor de nosso planeta e, quando termina a missão, volta à Terra e pousa como um avião comum
Momento em que os foguetes auxiliares SRB se destacam do ônibus espacial, caindo no mar. Pára-quedas acoplados nos bicos dos foguetes garantem um retorno suave e possibilitam que os SRB possam ser recondicionados e usados em outro lançamento
A
Morton Thiokol forma um complexo de 40 quilômetros quadrados e marca a
paisagem de Brigham City, em Utah. A empresa era a contratada da NASA
para produzir os propulsores dos foguetes que impulsionam os ônibus
espaciais.
Os SRB eram construídos em partes para que o transporte ferroviário de Utah até Cabo Canaveral fosse facilitado. As partes eram então reunidas perto da plataforma de lançamento.
Cada junção entre as partes dos foguetes SRB eram vedadas com imensos anéis de borracha. Esses anéis dilatavam-se para fechar as brechas entre as partes dos foguetes SRB durante os lançamentos, evitando assim o vazamento catastrófico de gás superaquecido.
Quando os SRB foram recuperados após o lançamento do ônibus espacial Discovery, na missão anterior a da Challenger, em 1985, ocorreu a suspeita de vazamento de gás superaquecido, que teria passado pelos anéis de vedação. Os engenheiros da Morton Thiokol concluíram que o vazamento foi ocasionado pelas baixas temperaturas que prejudicaram o funcionamento correto dos anéis de vedação, registradas antes do lançamento da Discovery.
Em Cabo Canaveral, a previsão indicava temperaturas abaixo de zero na virada do dia 27 para o dia 28 de janeiro de 1986, que era a nova data prevista para o lançamento da Challenger.
Os engenheiros da Morton Thiokol tentaram reunir provas de que a baixa temperatura prejudicava o funcionamento dos anéis de vedação dos foguetes SRB. Eles estavam certos de que o problema dos anéis já se configuava em temperaturas de 10 graus. A situação era ainda mais perigosa diante das temperaturas abaixo de zero registradas antes do lançamento da Challenger.
Para os engenheiros não havia outra alternativa senão adiar o lançamento até que a temperatura aumentasse. A NASA alegou que a influência da temperatura sobre os anéis de vedação jamais havia entrado em questão, e afirmou que outro cancelamento do lançamento estava fora de cogitação.
Em Cabo Canaveral, temperaturas abaixo de zero foram registradas assim que o Sol se pôs. Cristais de gelo começaram a se formar na plataforma de lançamento, configurando as condições que os engenheiros da Morton Thiokol tanto temiam antes do lançamento.
A reunião entre os engenheiros da Morton Thiokol chegou ao fim e todos estavam exaustos. Um deles, Roger Boisjoly, resolveu escrever um relatório:
“Depois de muita discussão, das 13h às 20h30, a recomendação dos engenheiros foi de que o vôo fosse adiado até que a vedação atingisse 12º C, de acordo com nosso banco de dados. A NASA não gostou das recomendações e nossos diretores formaram uma junta para votar uma decisão. O resultado foi que nosso diretor decidiu que o risco era pequeno, baseado no pressuposto de que a temperatura não era impedimento. Nós da engenharia, tentamos uma vez mais ressaltar que o problema era a programação do lançamento sob baixa temperatura. Espero sinceramente que esse lançamento não termine em uma catástrofe."
Faltam 11 horas para o lançamento, que está previsto para perto de meio-dia. É uma hora da manhã e são lançados 5300 litros de anticongelante na tentativa de impedir a formação de gelo nos foguetes e na Challenger.
Apesar dos atrasos, a missão da Challenger já havia garantido grande publicidade para a NASA e para o governo Reagan, que promoveu a inclusão de uma professora no programa espacial. Christa McAuliffe foi selecionada após uma semana de testes rigorosos aplicados aos 10 finalistas escolhidos num total de 11 mil professores que concorreram.
O público ficou entusiasmado com a história de uma esposa comum, professora e mãe de dois filhos, levada ao espaço: “Quando o ônibus espacial partir, haverá um só corpo, mas levarei comigo 10 almas”, disse Christa.
Outro registro dos sete astronautas antes do lançamento
São
6h18 do dia 28 de janeiro e os sete astronautas da Challenger acordam. O
controle da missão avisa que poderá haver atrasos causados por
problemas de temperatura. Uma equipe continua a limpar o gelo ao redor
da plataforma de lançamento.
Enquanto a professora Christa se prepara para embarcar, os técnicos a presenteiam com uma maçã. Ela devolve a fruta e diz: “Guardem para mim. Vou comê-la quando voltar.”
A contagem regressiva marca os últimos 9 minutos. No local do lançamento, o tempo está limpo e frio. Jay Green controla a missão de lançamento a partir de Houston. Ele se encontra com os 11 membros de sua equipe e todos gritam: “Vamos lançar!” A contagem regressiva de 9 minutos é iniciada. A torre de controle diz: “verificando a pressão do oxigênio líquido”.
Faltando 10 segundos para a subida, jatos d’água são lançados para abafar o barulho do lançamento. A ignição dá início à inflamação dos gases congelados dos motores. A força é tão intensa que faz o ônibus espacial chacoalhar na plataforma. Quando volta à posição inicial, a Challenger é lançada. Uma voz exclama a partir do centro de controle: “É a 25ª missão de lançamento e já deixa para trás a torre da plataforma.”
Lançamento da Challenger
A cada segundo de subida, o foguete queima 10 toneladas de combustível sólido. Ao chegar aos 6 mil metros de altitude, os três motores principais da Challenger reduzem a velocidade a 65%, antecipando-se a carga de estresse que os engenheiros chamam de Q máximo, que é a pressão aerodinâmica máxima.
Quando a Challenger chega aos 15 mil metros, os motores são novamente exigidos em potência máxima. A torre comunica: “Três motores agora em 104%. Challenger, prossiga com propulsão total”. O piloto responde: “Aumentando propulsão!”
Nesse instante, a quase 17 mil metros, o vazamento de gás superaquecido que passa pelos anéis de vedação defeituosos faz o foguete SRB explodir. A Challenger e seus sete astronautas se desintegram em pleno ar. A marcante imagem de um Y no céu é formada após os restos dos foguetes auxiliares saírem voando descontrolados, antes de serem destruídos por controle remoto 30 segundos após a explosão.
No
primeiro quadro, a seta branca mostra o vazamento de gás superaquecido
em tom mais claro. No segundo quadro, o vazamento é bem maior e ocasiona
a catastrófica explosão que faz os restos dos foguetes auxiliares SRB
sairem voando ...
em duas direções, formando a impressionante imagem de um imenso Y no céu, ...
antes de caírem e serem destruídos por controle remoto
A
explosão foi assistida ao vivo pelos alunos da professora Christa, em
um telão na escola onde ela trabalhava em Concorde. A equipe de
salvamento se apressou nas buscas imediatamente após o acidente, mas não
havia sobreviventes.
A comissão de inquérito decidiu que os diretores da NASA não estavam cientes das questões levantadas pela fabricante Morton Thiokol. Também foi concluído que a Morton não apoiou a opinião de seus engenheiros, voltando atrás de sua posição diante das pressões da NASA.
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