sábado, 19 de março de 2016

1964: O GOLPE QUE CALOU O BRASIL





Cássio Ribeiro

A economia e o cenário político brasileiros desenvolveram-se por meio de ciclos constantes no decurso da  História do Brasil. Sempre, num determinado ciclo, não importa qual tenha sido, uma parcela da sociedade, ou seja, da população, foi privilegiada em detrimento de outras representações populacionais.

Nas ocasiões em que algum governante buscou oferecer uma atenção mais voltada para as camadas da população brasileira menos favorecidas economicamente, foi de alguma forma brecado e derrubado pelas oligarquias dominantes da sociedade.

Trocando em miúdos, sempre que a minoria poderosa que acostumou-se ao longo das décadas com a concentração do poder em suas mãos e com o subjugo das camadas mais pobres da sociedade foi ameaçada, voltou ao poder por meio de um golpe e da derrubada de uma liderança política que chegou ao governo pela vontade soberana da maioria do povo.

Foi assim com as pressões  sobre Getúlio Vargas, que levaram-no ao suicídio com um tiro no peito, em 24 de agosto de 1954, e foi assim com a derrubada do presidente João Goulart, em 1964, que é especificamente o assunto tratado na postagem de hoje deste blog.

O dia 1º de abril é considerado por muitos como o dia da mentira. Essa data, porém, marcou para sempre a História do Brasil, em 1964.

Faltando 12 dias para o golpe  que depôs o presidente João Goulart completar 52 anos, vamos fazer uma viagem pelas causas geradoras dos violentos Anos de Chumbo; 21 anos em que no Brasil foi abolido o direto democrático de pensar, de ter ideologia e de ir e vir.

Todos eram culpados até que se provasse o contrário naqueles tempos sombrios. Qualquer semelhança com o hoje parece não ser mera coincidência.

As articulações que mais tarde resultariam na derrubada do presidente escolhido democraticamente pelo povo tiveram início uma década antes do golpe que foi um movimento político militar que jamais trouxe mudanças para as estruturas sociais e econômicas visando o bem do povo brasileiro mais pobre.

Em fevereiro de 1954, João Goulart era o ministro do trabalho de Getúlio Vargas, e foi afastado por um manifesto assinado por coronéis, depois de aumentar o salário mínimo em 100%.

As atitudes de Jango, como era popularmente conhecido, desagradaram os grandes empresários e os militares conservadores de alta patente.

Os coronéis que assinaram o manifesto em 1954 eram os generais conspiradores, uma década depois, na fria e chuvosa madrugada do dia 1º de abril do outono de 1964.

Com a derrubada da República Velha, em 1930, o crescimento da industrialização brasileira produziu um significativo aumento da classe trabalhadora concentrada nos meios urbanos.

O atendimento das reivindicações dessa massa trabalhadora, visando sua aproximação com o Estado, além do controle, da condução e da manipulação das aspirações dos operários, era o chamado Populismo.

O Populismo foi explorado politicamente por Getúlio Vargas, que o usava principalmente na ideologia de seu segundo mandato (1951-1954), para garantir a simpatia dos trabalhadores, mas também estimulava a oposição dos grandes empresários e dos militares e políticos conservadores, formadores da elite católica conservadora brasileira.

Foi essa Elite que conspirou para derrubar Vargas em 1954 e, como João Goulart era uma espécie de herdeiro político do Populismo getulista, também foi destituído da presidência em 1964 pela mesma elite.

A derrubada de Jango em 1954 e 1964 representava uma interrupção da política populista de Getúlio Vargas pela elite católica dominante e conservadora brasileira



João Goulart chegou à Presidência da República depois que Jânio Quadros renunciou, em 1961, sem que nunca tenha ficado claro o motivo de tal renúncia.


O fato é que o Brasil havia se tornado aliado próximo dos Estados Unidos ao fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945, e os comunistas brasileiros passaram a ser perseguidos desde então.


O Partido Comunista Brasileiro foi classificado como fora da lei pelo governo brasileiro, que também rompeu as relações diplomáticas com a União Soviética.


Nos 7 meses do governo de Jânio Quadros, que durou de fevereiro até agosto de 1961, o Brasil reatou suas relações diplomáticas com o bloco comunista internacional da época, ao se reaproximar da União Soviética e do governo de Fidel Castro, em Cuba, o que desencadeou intensos protestos dos Estados Unidos. 


Além disso, a elevação em 50% do imposto sobre as importações dos produtos norte-americanos, e sobre os investimentos dos lucros das companhias locais nos Estados Unidos, bloqueava parte da acumulação de capitais, indo de encontro aos interesses do imperialismo mundial e da classe social rica e dominante brasileira.





 A polêmica figura de Jânio Quadros 


A gota d’água que faltava para as pressões sobre o governo de Jânio Quadros chegarem a níveis insuportáveis foi a condecoração do guerrilheiro Ernesto Che Guevara com a medalha da Ordem Cruzeiro do Sul, oferecida por Jânio. Guevara foi, ao lado de Fidel Castro, o principal nome da Revolução Cubana, em 1959.




Condecoração de Enesto Che Guevara ...



Ato que despertou a ira da oposição conservadora

A condecoração dada ao revolucionário fez desabar uma tempestade oposicionista sobre o governo de Jânio, vinda do Congresso Nacional e da imprensa, liderada pelo jornalista Carlos Lacerda, então governador do estado da Guanabara, que hoje é a cidade do Rio de Janeiro.

O jornal O Globo também foi ferrenho promotor da oposição a Jânio Quadros após a condecoração. a TV Globo só seria inaugurada um ano mais tarde, em 26 de abril de 1965.

Carlos Lacerda, em rede nacional de TV, acusou Jânio Quadros de estar idealizando um regime igual ao de Cuba para o Brasil. Diante das pressões, Jânio Quadros renunciou na esperança de que, em função de sua popularidade, fosse recolocado no poder pelo povo brasileiro, fato que não aconteceu. 
 
Para aonde vai Jânio Quadros? A famosa foto com o registro do ex-presidente após a renúncia

O sucessor legal de Jânio, previsto pela Constituição, era o vice-presidente João Goulart, que para complicar ainda mais a situação em relação à opinião pública conservadora, estava visitando a República Popular da China Comunista.

A atuação política de Jango, além do cunho populista herdado de Getúlio Vargas, era também identificada como comunista pelas forças conservadoras brasileiras; sendo que, na União Soviética, o nome de Jango era citado de forma simpática pelos jornais.

Alegando motivos de segurança nacional, os ministros militares não aceitavam João Goulart como presidente. Foi então promulgada a Emenda Constitucional número 4, onde o parlamentarismo foi instituído como novo sistema de governo do Brasil, em 2 de setembro de 1961.


No parlamentarismo, Jango seria apenas chefe de estado, e o comando político do governo brasileiro ficaria a cargo de um primeiro-ministro e do Conselho de Ministros. Restava ao presidente apenas uma posição politicamente secundária no sistema parlamentarista adotado.

Jango buscou o apoio da opinião pública para a realização de um plebiscito onde o povo pudesse escolher entre os sistemas presidencialista e parlamentarista.

Em abril de1963, o presidencialismo foi restabelecido pela escolha popular, numa proporção de 5 votos para 1 voto dado ao sistema parlamentarista.

Jango conseguiu finalmente o poder de um presidente da República, e logo pôs em prática as chamadas "Reformas de Base" (reforma administrativa, reforma fiscal, reforma agrária e reforma bancária), que junto com a taxa de inflação na casa dos 73,5%, em 1963, contribuíram para inflamar os ânimos dos que se opunham ao presidente João Goulart.
 
O Presidente João Goulart

As pressões sobre Jango vinham da elite cristã conservadora, a mesma que colocara Getúlio Vargas no centro da crise que o levou ao suicídio, em agosto de 1954.

Trata-se da mesma elite conservadora e neoliberal que vendeu o Brasil por meio de privatizações e, de quebra, ainda explora a massa pobre da população, impedindo por meio da manipulação da opinião pública, através do domínio da grande imprensa, a possibilidade de mudanças significativas no sistema econômico, social e educacional do Brasil atualmente. A mesma que hoje opera as pressões diárias contra o governo brasileiro em 2016; sempre a mesma.

Os pretextos que faltavam para o golpe contra a democracia brasileira ser deflagrado aconteceram em duas ocasiões bem claras.

Primeiro, o comício realizado na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 13 de março de 1964, ocasião em que Jango assinou decretos de desapropriação de áreas improdutivas localizadas às margens de rodovias e ferrovias, e de nacionalização das refinarias de petróleo, além do monopólio do controle estatal sobre a importação desse produto.


Naquela sexta-feira 13, Jango também deu um ultimato aos militares ultraconservadores: se tentassem deflagrar um golpe de estado, enfrentariam a esquerda finalmente unida, pronta para o combate e apoiada na vontade do povo.

Jango ao lado da esposa Maria Thereza Goulart, durante o inflamado discurso ... 

no comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964


A outra ocasião decisiva para o execução do Golpe Militar aconteceu entre os dias 25 e 27 de março de 1964, quando 1200 marinheiros se reuniram no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, e saíram em passeata com quepes e golas virados para trás, na chamada Revolta dos Marinheiros. O governo de João Goulart apoiou os marinheiros e foi duramente criticado por oficiais das três forças armadas.


Em 30 de março, João Goulart discursou no Automóvel Clube do Rio de Janeiro para uma plateia de 2 mil sargentos; entre eles, muitos dos marinheiros revoltosos de alguns dias antes. Na ocasião, Jango também respondeu às críticas dos oficiais. O então senador Amaral Peixoto acompanhava as cenas pela TV de seu apartamento e disse em tom profético: "O Jango já não é mais presidente da República."


No dia seguinte, já na noite de 31 de março de 1964, o Golpe Militar começou em Juiz de Fora, Minas Gerais, sob o rótulo de movimento democrático contrário às ameaças comunistas. Hoje, diante da democracia, vemos um mesmo movimento com o rótulo de ética e moralização contra a corrupção; há sempre um rótulo justificador para os golpes no Brasil.




Os militares de Minas logo receberam apoio dos comandos do Exército em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio grande do Sul. Na madrugada do dia 1º de abril de 1964, a "procissão" de tanques veio às ruas.
 
O barulho das velhas lagartas que giravam movimentando os carros de combate se confundia com o som dos motores dos tanques e jipes verdes ocupados por soldados armados com grossos calibres.

Parte da força naval dos Estados Unidos deslocou-se para a costa brasileira, a fim de apoiar os golpistas caso houvesse guerra civil. Em caso de conflito, os americanos também estavam prontos para reconhecerem imediatamente o novo governo militar golpista.

Na noite do dia 31 de março e madrugada do dia 1º de abril de 1964, os tanques tomaram as ruas e ...
 

Na manhã do dia 1º de abril, o cenário das capitais brasileiras ...


era preenchido por carros de combate do Exército

No dia 1º de abril, João Goulart fugiu de Brasília para Porto Alegre, na tentativa de articular a resistência que jamais aconteceu. Jango percebeu como seus conselheiros militares e as chamadas esquerdas radicais estavam equivocados nas previsões relativas ao potencial de resistência.

O povo brasileiro assistiu a tudo passivamente. A greve geral convocada pelo CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) no dia 30 de março não teve nenhuma adesão; trens e ônibus trafegaram normalmente durante todo o dia 31 de março. Ninguém esboçou a mínima resistência.

Não havia Internet, mídias sociais e nem os movimentos Catraca Livre e Jornalistas Livres como hoje. A grande imprensa a serviço da elite cristã dominante ditava as regras de forma soberana e sem oposições.

A grande mídia era a senhora suprema da manipulação da opinião pública por meio do direcionamento da informação de acordo com os seus interesses e dos interesses da classe social dominante que sempre representou e representa até os dias de hoje.
 
Jango estava sozinho e, já no dia 2 de abril de 1964, fugiu para o interior do Rio Grande do Sul, onde se refugiou em uma fazenda perto da fronteira com o Uruguai.

Em 4 de abril, o já ex-presidente João Goulart pedia asilo político naquele país. Começavam assim, os Anos de Chumbo: duas décadas em que o cenário político brasileiro foi ocupado por uma das mais violentas e repressoras ditaduras militares da América Latina.

Segue o trecho de uma carta enviada do exílio por João Goulart aos brasileiros:

"Dirijo-me ao povo brasileiro nesta hora de angústias e sofrimentos. Deposto por um golpe de força, observo, entristecido, cair a máscara do grupo militar que assaltou o poder. Instalaram um governo ficticiamente constitucional e, desde a quartelada, nenhuma medida a favor do país foi posta em prática, nenhuma perspectiva foi aberta pela ditadura para a solução dos graves e complexos problemas com que vem lutando o Brasil. Tudo o que tem feito parece revelar o deliberado propósito de agravar o sofrimento do povo. (...)

Os grupos estrangeiros possuidores de moeda forte gravitam em torno das empresas nacionais para adquiri-las a preços vis. E os industriais brasileiros acabam cedendo, com a agravante de deslocar para o exterior o fruto daquelas vendas, à falta de condições para nossos investimentos no Brasil. Temos, desse modo, o quadro desolador de desnacionalização e descapitalização do país .(...)

As reformas de base, preconizadas pelo meu governo e indispensáveis à demarragem de um país subdesenvolvido, são hoje apresentadas de forma caricatural por homens superados política e historicamente e que tentam empulhar a opinião pública brasileira, suficientemente esclarecida e politizada para não aceitar tais mistificações. (...)"

Jango sendo fotografado pela esposa Maria Thereza, durante o isolamento político do exílio no Uruguai



Do exílio no Uruguai, Jango tentou inutilmente articular sua resistência política, até morrer de enfarte na Argentina, em 1976.
Existem rumores de que Jango tenha sido assassinado por agentes da Operação Condor, que foi um intercâmbio entre ditaduras militares da América do Sul (Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai), apoiadas pela CIA (Agência Central de Inteligência do Estados Unidos), para aniquilarem seus opositores.
 
Na edição do jornal Folha de São Paulo, que circulou em 27 de janeiro de 2008, foi publicada uma matéria com a declaração do ex-agente uruguaio Mario Neira Barreiro, onde ele afirma que João Goulart foi envenenado por ordem do então delegado do DOPS (Departamento da Ordem Política e Social), Sérgio Fleury.

A autorização, segundo Neira, teria partido do presidente brasileiro na época, General Ernesto Geisel (1908-1996).

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