Por Cássio Ribeiro
Faltam dois anos para realizarmos a Copa do Mundo de 2014. A abertura será realizada no estádio Itaquerão, em São Paulo. Já a grande final será jogada no Maracanã, no RJ. Quando o pontapé inicial da 20ª Copa do Mundo for dado no estádio paulista, em 12 de junho de 2014, terão se passado 64 anos desde que o Brasil sediou a outra copa de sua história, e que, sem dúvida, entrou definitivamente para a memória dos mundiais de futebol de forma bastante curiosa e trágica para nós.
Duzentas mil pessoas lotavam o Maracanã na tarde do dia 16 de julho de 1950, a fim de verem a Seleção Brasileira pelo menos empatar com o modesto time do Uruguai na ocasião para ser campeã. Se fosse levado em conta o retrospecto das duas seleções durante aquela Copa, o Brasil até já poderia ser aclamado como campeão do mundo bem antes do jogo; e foi ai que morou o perigo.
A Copa de 1950 teve a participação de 13 seleções. Na primeira fase, o Brasil venceu o México por 4 x 0, empatou com a Suíça em 2 x 2 e derrotou a Iugoslávia por 2 x 0. Na segunda fase, foi realizada uma disputa entre os primeiros colocados de cada um dos 4 grupos daquela Copa: Brasil, Espanha, Suécia e Uruguai (A Espanha eliminou a toda poderosa Inglaterra, a Suécia desbancou o Itália e o Uruguai só precisou vencer a fraquíssima seleção da Bolívia por 8 x 0 em Recife, para garantir presença no quadrangular final da segunda fase).
O Brasil foi arrasador na segunda fase da Copa de 1950. Venceu a Espanha por 6 x 1 e a Suécia por 7 x 1; já o Uruguai, conseguiu um empate com a Espanha e uma sofrida vitória por 3 x 2 diante da Suécia, na mesma fase. Sendo assim, Brasil e Uruguai acabaram se enfrentando na partida decisiva do Mundial de 50. Com a embalada Seleção Brasileira precisando apenas de um empate para sagrar-se campeã do mundo, um intenso clima de vitória antecipada tomou conta da imprensa e do povo.
Na manhã do dia da final da Copa de 1950, as primeiras páginas dos jornais estampavam manchetes como: “Brasil campeão” e “Ninguém tira a Copa do Brasil”. A Comissão técnica da seleção uruguaia colou as primeiras páginas na parede do local onde os jogadores uruguaios se reuniam para o desjejum. Nas ruas do Rio de Janeiro, um carnaval se espalhava por todos os lados com gritos contagiantes de “É campeão”!!!!!
A multidão seguiu em festa para lotar o estádio Jornalista Mário Filho (O Maracanã). Eram mais de duzentas mil pessoas que representavam 10% da população carioca naquela época. Jamais outra partida de futebol reuniu tanta gente de uma só vez, em todos os tempos.
Pouco antes do início do jogo, o técnico uruguaio Juan Lopes mandou a equipe jogar de forma defensiva e recuada. Quando o técnico saiu, o jogador e capitão do time, Obdulio Varela, falou para a equipe: "Juancito é um bom homem, mas hoje, ele está errado. Se nós jogarmos defensivamente contra o Brasil, nosso destino não será diferente de Espanha e Suécia." Varela então fez um emocionado discurso sobre como eles precisavam encarar todas as dificuldades e não ser intimidados pela torcida brasileira. O discurso, como depois foi confirmado, teve uma enorme importância no final que teria a partida. Algo que ele disse foi "Muchachos, los de afuera son de palo. Que comience la funcion", que poderia ser traduzido como "Rapazes, quem está do lado de fora não joga. Que comece o jogo".
A partida começou e os uruguaios conseguiram resistir à avalanche de ataques brasileiros durante todo o primeiro tempo, que terminou sem gols. Se o empate já dava a Copa do Mundo de 1950 ao Brasil, aos 2 minutos do segundo tempo, um gol do brasileiro Friaça colocou a Seleção Brasileira muito mais perto de seu primeiro título mundial, e inflamou a imensa torcida.
Novamente, o capitão uruguaio Varela teve importante participação motivadora sobre sua equipe, ao questionar a validade do gol com o juiz, alegando que o jogador brasileiro estava impedido. Após a confirmação do árbitro sobre a validade do gol, Varela pegou a bola, correu para o centro do campo e gritou para os uruguaios: “Agora é a hora de vencer”!!
O Brasil tinha um ataque avassalador, mas as deficiências de sua defesa começaram a aparecer aos 21 minutos do segundo tempo, quando o uruguaio Juan Alberto Schiaffino empatou o jogo. A multidão ficou em silêncio por uns instantes mas logo voltou a se inflamar, pois o Brasil ainda seria campeão com o placar de 1 x 1.
Eram quase 17h daquela tarde do dia 16 de julho de 1950. Ainda faltavam 11 minutos para o fim da partida, e o uruguaio Alcides Edgardo Ghiggia fôra lançado e corria “esticando” a bola pelo lado direito do campo. O goleiro brasileiro Barbosa estava adiantado e o atacante Ghiggia deu um chute seco, rasteiro, e certeiro bem rente à trave direita, no canto esquerdo de Barbosa.
Segundo gol uruguaio, que pôs fim ao sonho brasileiro da conquista da Copa de 1950
o "carrasco" uruguaio Ghiggia
O presidente da FIFA naquela ocasião, o francês Jules Rimet, falou depois sobre o momento da premiação: “Eu
seguia pelo túnel, em direção ao campo. Na saída do túnel, um silêncio
desolador havia tomado o lugar de todo aquele júbilo. Não havia guarda
de honra, nem hino nacional, nem entrega solene. Achei-me sozinho, no
meio da multidão, empurrado para todos os lados, com a Copa debaixo do
braço". Rimet precisou chamar o capitão uruguaio Varela para entregar-lhe a taça da Copa.
Na tentativa de
justificar a surpreendente e inesperada derrota, muito foi dito pela
imprensa especializada posteriormente. Primeiro, o fato de a seleção ter
mudado o local da concentração do Joá para o estádio do Vasco da Gama,
em São Jenuário. Outros culparam o técnico Flávio Costa por ter
obrigado os jogadores brasileiros, na manhã do dia da final, a
assistirem uma missa de 2 horas em pé. Porém, O mais criticado e
responsabilizado pela derrota foi o goleiro Barbosa.
Varela, Schiaffino e Ghiggia comemoram o título
O goleiro Barbosa
O
goleiro contou posteriormente que ao voltar para casa, depois do jogo,
encontrou a mesa, que tinha sido preparada pela vizinhança ao ar livre,
completamente abandonada. A cena da comida e da bebida do banquete
rodeadas por cachorros marcou Barbosa.
Apesar
dos anos, Barbosa, hoje falecido, nunca foi perdoado. Em 1993, durante
as eliminatórias para a Copa dos Estados Unidos (1994), Barbosa foi
visitar a concentração do time de Parreira a fim de dar apoio e ânimo
aos jogadores, mas foi proibido de entrar na concentração. Na ocasião,
Barbosa comentou: “No Brasil, a pena maior por um crime é de 30 anos de
cadeia. Há 43 anos pago por um crime que não cometi”. O ex-goleiro
terminou seus dias morando de favor e recebendo uma modesta
aposentadoria.